Com um sofrido atraso, vamos falar de Ezequiel Neves. Mineiro só de RG – ele citou a frase de Otto Lara Rezende sobre o estado natal: “a pessoa que nasce em Minas se não sair de Minas é porque nasceu com defeito”. Foi o primeiro jornalista dedicado ao rock – tinha uma coluna no Jornal da Tarde e, posteriormente, na Rolling Stone de Luiz Carlos Maciel. Por isso, Zeca foi um de nossos primeiros entrevistados.
Subimos a ladeira do morro do Pavãozinho, na divisa de Ipanema e Copacabana, na manhã de 18 de março. Ele mora em um simpático predinho na boca do morro, e se diverte chamando o lugar de “little peacock”. O apartamento foi dado por Cazuza, de quem foi produtor e mentor espiritual e carnal. Zeca está com 73 anos, cansado, mas fez a gente rir muito. Não deixou que o fotografássemos, mas deixou que documentássemos a casa e seu fantástico arquivo de bugigangas. Divirtam-se com os retratos da casa e com alguns trechos da longa conversa.
Psicodelia
“Eu tô psicodélico, estão entendendo? Começaram a me dar umas injeções de o que agora substitui penicilina (era cortisona, ele lembrou depois). Fiquei sem memória, mas ahhh... não, é a mesma coisa que tomasse ácido. Começaram me dar uns remédios, eu fui num, eu tava fumando um baseado, vocês querem? Eu tenho. Aí comecei rir muito, estava com um amigo meu aqui, ai começou a sair sangue do meu nariz e ele disse nossa! Que é isso? Eu falei assim, não é nada não. Aí no outro dia eu estava em um restaurante com outro amigo meu, esse mais sério, aí de novo, ele disse ‘assim não é possível, você está em uma idade que tem que se tratar’, eu falei deve ser uma sinusite mal tratada, porque eu cheirei muita cocaína e quando tem a cocaína boa no Brasil, eu cheirei toda e não deixei pra mais ninguém. Aí fui fazer um exame, essas coisas de por a gente dentro de máquinas, psicodélico!”
E Zequinha trocou de óculos...
“Eu com essa coisa de enxergar com essa visão tripla, enquanto eu to deitado, acordo eu vejo tudo nítido, eu levanto já atravesso aqui esse espaço, saio do quarto, entro no banheiro, lavo a cara, escovo os dentes e aí venho aqui pra cozinha. Quando chego na cozinha eu já estou inteiramente psicodélico”.
“Eu fiz sete anos de teatro profissional em São Paulo, a maior porcaria que eu já fiz na minha vida, mas foi ótimo, porque eu trabalhei muito enquanto eu estava com calor na bacurinha, o teatro foi bom, entrava um dinheirinho e eu já escrevia sobre rock”
Música
“Ai, banda psicodélica brasileira, a pior de todas e o grande nome que foi é Mutantes, eu gostava, não sei se tenho do primeiro disco dos mutantes, os outros eu achava um horror. Eram muitos mal informados, era um deboche que não era nem tropicália, nem era da personagem deles, era uns engraçadinhos de São Paulo, Rita Lee a rainha da afonia, cantora tem voz bonitinha, Arnaldo inteligente mais doido, Sérgio insuportável.
Eu não estou podendo fumar, mas vou fumar, to com minha... Eu vou te falar uma coisa sincera. Depois dos Mutantes eu não conheço mais banda psicodélica brasileira não!”
“Módulo 1000 era chato, não era psicodélico não! Era muito chato e tocava muito mal e essa ainda eu peguei dois shows em 72, entende? (...) Ah, o show era muito chato, o Módulo mil teve o seguinte: era muito conceituado no subúrbio como a última, da última da grande da última descoberta, aí eles posavam de grande grupo. Eu fui vê-los num festival promovido por eles, que eles eram a maior atração, o resto das bandas nem com lobotomia eu vou te levar. Eles ficavam em tendas, fazia aquela coisa tipo Woodstock, o camarim que eram especiais, muito cheiro de incenso... um lixo”.
“O Som Imaginário de Minas? Uma porcaria, aquilo era bad trip, aquilo era bad trip não era psicodelia. Som Imaginário nunca foi psicodélico aquilo é mineiro bichado é muito chato. O Milton com aquela voz de branca, não! Eu gosto de Wagner Tiso, não acompanho a carreira dele não, ele debocha muito de mim porque eu falei que o Clube da Esquina, nem que fosse uma esquina da Broadway eu passava, aí ele vivia com ódio de mim”.
Língua de cascavel
“Eu não escrevia sobre música brasileira, em Minas eu escrevia, minha coluna era aberta, mas em São Paulo não! E sabe porque? Eu sempre tive língua de cascavel. Era mais cômodo pra mim falar das bandas do estrangeiro. Nunca mexi com os daqui, porque brasileiro tem mania de ser orgulhoso, oh bando... Aí teve um dia que falei mal de Caetano, aliás somos amicissímos... Mas dei uma cutucada nele, pra que? Os alibabás e os 400 mil baianos ficaram com ódio”
Mas do que ele gostava, afinal?
“Ave Sangria era maravilhoso! Eles fizeram um disco só, né? Aquela mulher vestida de pássaro, as pessoas do Ave Sangria eram muito doidas, tinha um que era colega meu no Jornal da Tarde, eu lembro que quando eu entrei com a coisa, ele chegou pra mim e falou: ah, vc gostou? Eu disse assim: adorei! E ele disse: é, eu sou desse grupo”.
Há poucas semanas, a Aline e a Ana estiveram novamente na casa de Ezequiel. Elas levaram a ele um compilado com várias bandas da época, para ele se lembrar. Entre elas, o Ave Sangria, que Zeca não ouvia desde 1969 - de acordo com o próprio.
A seguir, um vídeo com a panorâmica da casa:
Obs.: as opiniões acima expressas são de responsabilidade de Ezequiel Neves
Vida longa a Zeca Jagger!