sábado, 22 de setembro de 2007

Hey ya! Mudamos!

Pois é, caros. O Psicodelia Brasileira está de casa nova!
Depois de muitos bons posts no blogger, resolvemos transferir o conteúdo para o wordpress (com mais ferramentas, etc) e dar continuidade ao trabalho de lá!
Tudo que tem neste blog já está disponível no outro, além de novo conteúdo e outras facilidades de acesso... esperamos que gostem!!!!
VIVA!!!!
Alin, Tati e Ana

quarta-feira, 19 de setembro de 2007

Seis mil!

Que alegria!

Alcançamos a marca de seis mil visitantes. Quando começamos o blog, há sete meses, tínhamos alguma pretensão megalomaníaca, mas nem tanto. Além dessa marca considerável, o trabalho vem despertando interesse de muita gente bacana no mundo da música.

Agora, é a reta final - e isso implica mil brigas, falta de tempo e até falta de tesão, às vezes. Como todo mundo, acabamos deixando várias coisas pra última hora e, agora que faltam dois meses pro prazo final, começa a bater o desespero. Já temos três capítulos escritos, mais três em processo de confecção, a todo vapor. Apesar do sufoco, está sendo uma delícia ler as entrevistar e transformar todo o material bruto, de conversas non-sense, em histórias gostosas.

O Welington, o orientador, disse que precisamos escolher entre um estilo mais crônica, focado na vida particular dos entrevistados, nas histórias, ou um estilo mais reportagem, com dados e contextualização. Pela grande dificuldade em conseguir esses dados, e pela enorme riqueza de histórias de nossos personagens, acho que vamos partir para a crônica.

Agora falta pouco. É a parte mais foda, mas estamos sobrevivendo. Ainda faltam entrevistas importantes - tá sendo quase impossível marcar uma entrevista com Arnaldo Baptista. A dita "corte" que o cerca tá empatando a questão. Não sabemos como vai ser, vamos tentando. Fora isso, praticamente todos os capítulos estão com as entrevistas finalizadas. É muita coisa!

Para comemorar a nossa sobrevivência, o sempre feliz Mopho:

sexta-feira, 14 de setembro de 2007

Psicodelia Brasileira Recomenda: Lançamento de livro do Zé Rodrix - RJ/SP


Para paulistanos e cariocas...


Zé Rodrix está lançando o último livro de sua trilogia, Esquin de Floyrac, no Rio de Janeiro e em São Paulo. Para os fãs, fica o convite - dia 16 de setembro, 14h, no Café Literário da XIII Bienal do livro do Rio de Janeiro, 17 de setemnbro, 19h, na Livraria Argumento (RJ), 19 de setembro, 18h30, na Livraria da Vila. Para os que não conhecem o lado escritor do músico, um comentário de Luis Eduardo Matta, do site Digestivo Cultural:


"Na minha opinião, Zé Rodrix é um dos mais importantes nomes do romance brasileiro contemporâneo e juro que não consigo compreender como a mídia ainda não reconheceu isso ou, pelo menos, não da maneira como este extraordinário escritor merece. Zé Rodrix, nome artístico de José Rodrigues Trindade, é uma das figuras mais versáteis da cultura brasileira contemporânea. Maestro, compositor, cantor, arranjador, publicitário, ator, professor, escritor e dono de uma inteligência prodigiosa e um enorme carisma, Zé Rodrix demonstra em Zorobabel: Reconstruindo o Templo, como a criatividade, aliada a uma maneira clara e certeira de contar uma história, pode produzir uma obra literária de vulto e, ao mesmo tempo, de grande apelo junto aos leitores. Zorobabel: Reconstruindo o Templo, é o segundo volume da Trilogia do Templo, que teve início com o igualmente extraordinário Johaben: Diário de um Construtor do Templo, lançado em 1999 e deverá ser fechada com chave de ouro, em 2007, com Esquin de Floyrac: O Fim do Templo. O romance mistura realidade e ficção para reviver um período conturbado da Antiguidade, que começa no auge do Império Babilônico, época em que as tropas de Nebbuchadrena’zzar (Nabucodonosor) invadiram Jerusalém e destruíram o bíblico Templo de Salomão, provocando a primeira diáspora judaica e culmina com a queda da Babilônia em poder dos persas comandados por Cyro, o Grande. O protagonista é Zorobabel, um jovem judeu que cresce como escravo na Babilônia e, depois da libertação de Jerusalém pelos persas, torna-se governador da Judéia, reedificando o Templo. Trata-se de uma saga épica e fascinante sobre os primórdios da Maçonaria que, assim como o primeiro volume da trilogia, só encontra paralelo na literatura brasileira, no que Nélida Piñon realizou com o seu maravilhoso Vozes do Deserto. O livro tem mais de seiscentas páginas que são lidas com voracidade em uma semana, se tanto. Um dos grandes romances brasileiros publicados no século XXI, que irá fascinar todos aqueles que adoram um livro repleto de aventura, capaz de nos transportar até um passado, cuja magia, permeia o nosso imaginário há séculos."

quinta-feira, 13 de setembro de 2007

Hey man

Duas bandas que vamos tratar neste trabalho têm uma música chamada "Hey man". O engraçado é que o Som Imaginário e o Ave Sangria não se conheciam. "Hey man" do Som Imaginário saiu em 1970; "Hey man" do Ave Sangria, em 74.
Os assuntos tratados nas duas músicas são tão diversos quanto a origem e formação das duas bandas. Mas não deixa de ser uma questão emblemática.

Hey Man (Som Imaginário)
Sua cidade
De vidro e aço
Prende você
Seus documentos
E as duplicatas
Cegam você

Hey hey hey man (2x)

Você precisava da taça de ouro
Que você só viu por de trás das vitrines
Você precisava beber nessa taça
Que você pagou com o sangue
Que nela bebeu

Só que nesse instante você foi feliz
Você é feliz quando pode
É que nesse instante você foi feliz
Você é feliz quando deixam

Hey man (Ave Sangria)

Hey man,
Você precisa correr mais riscos do que eu
Hey man,
Pobre de quem não percebeu
Hey man,
Você precisa correr tanto risco quanto eu
Hey man, pobre de quem não se perdeu

Ela subiu pela colina correndo vestida de amarelo
Corpo suado e maneiro, ela me viu e não se escondeu
Uma sensação me deu
Não quero nem saber
Rolei com ela pelo chão

Hey man,
A vida é feita de pedaços do céu
Hey man,
Pobre de quem não teve o seu
Hey man,
A vida é feita de pedaços do céu
Hey man,
Pobre de quem não teve o seu

Ela subiu pela colina correndo vestida de amarelo
Corpo suado e maneiro, ela me viu e não se escondeu
Uma sensação me deu
Não quero nem saber
Rolei com ela pelo chão
Não quero nem saber
Rolei com ela pelo chão(2x)

quarta-feira, 12 de setembro de 2007

Três Margaridas

Dormem no círculo branco
Da fingida inocência
Três margaridas
Uma é sapeca e morena
Outra é loura e coquete
A terceira, ruiva e sardenta
Morde uma dúvida entre os dentes
Essa dúvida vermelha
Maçã de pedra estralando
Guarda a semente vermelha
De uma transformação
Ouve-se uma canção
Ouve-se uma canção
Dormem no círculo branco
Da fingida inocência
Duas margaridas
A terceira, ruiva e sardenta
Escapuliu colorida com um amante
Para outra vida

(Ave Sangria)

terça-feira, 11 de setembro de 2007

Psicodelia Brasileira Recomenda: encontro de integrantes do Módulo 1000 em show

Aos cariocas psicodélicos, uma mensagem de Luiz Paulo Simas (Módulo 1000/ Vímana):


Show de lançamento do CD "Cafuné", de Luiz Paulo! Amanhã!


Luiz Paulo Simas - teclado e voz (Módulo 1000/ Vímana)
Bruce Henry - baixo
Claudio Infante - bateria
Daniel Cardona Romani - guitarra (Módulo 1000)
Chico Sá - sax e flauta
Lila Shakti - vocais

Local: Letras & Expressões - Ipanema
Endereço: Rua Visconde de Pirajá, 276 perto da rua Vinicius de Morais
Tel: 2521-6110 (Vendas a partir de segunda-feira 10. Reservas somente no dia do show até as 19hs)
Data: quarta-feira 12 de setembro às 21h
Preço: R$20 ($10 estudantes e seniors)


"Cafuné" é o primeiro CD que eu lanço simultâneamente no Brasil e nos Estados Unidos, com composições minhas em português. É um trabalho que eu sempre quis fazer e que finalmente realizei.
Espero ver todos voces lá!!!
Abraços,
Luiz Paulo Simas

segunda-feira, 10 de setembro de 2007

Depois do desbunde, a propaganda

Zé Rodrix saiu do Som Imaginário e virou estradeiro com Sá & Guarabyra. Tavito fundou uma bem-sucedida empresa de jingles, em que trabalha até hoje. Zé chegou a trabalhar na empresa do companheiro.

Aqui, incursões de Zé Rodrix no mundo da propaganda, na década de 70:





Não estou certa disso, mas creio que foram frutos da empresa de Tavito.
Fonte: Luís Nassif

sábado, 8 de setembro de 2007

Som Imaginário, a missão

Enquanto lá fora todos aproveitam o feriado maravilhoso, a gente se interna na frente do computador. Como bem disse a Aline, estou no meio de um transe, ouvindo pela 19a vez o primeiro disco do Som Imaginário sem parar, praticamente louca por tabela. 40 páginas de word de entrevista, pra começar a escrever. É mole?

Mas deu pra dar umas risadas (nervosas):

"Era do bom! Vinha da Califórnia. Era uma coisinha, parecia um grafitezinho sextavado cor de laranja, e dava 12 horas de viagem. Sem anfetamina. O Marco Antonio Pena Araújo tomava três, quatro por dia" (Zé Rodrix).

"Ele uma vez sumiu. Sumiu, sumiu, ficamos três dias sem saber dele, começou a dar aquele medo, por mais despreocupado que fosse, porque pela segurança de todos... então qdo descobriram ele tinha ido pro jardim botânico, ficou três dias, achando a vida um espetáculo, aquela coisa..." (Tavito)


"Uma coisa que nos diferenciava de todo mundo é que nós éramos um grupo com liberdade de pensamento político, e também sob o efeito de alguma magia, com tendência a rebeldia, e na época estávamos muito ligados ao espiritismo, budismo, cambomblé e muitas das nossas coisas eram baseados nessas crenças e experiências" (Milton Nascimento)


"Tava difícil até de cantar, o bagulho era tão forte que ficava todo mundo de boca seca, não vinha saliva, a gente ficava com dificuldade de cantar, era uma zoeira" (Fredera)




E viva o Redbull! Transcrições numa noite quente...

Sim, essa vida não tá fácil... prometemos pra nós mesmas queaté o final do feriado teríamos mais 4 capítulos prontos - Módulo 1000, Vímana, Serguei e Som Imgainário... e cá estamos, pra lá de 1 da madruga, sentadas no computador...Trabalhoso mas divertido... algumas pérolas do Lobão (que foi a última fita que eu transcrevi) pra alegrar os corações... Tati tem umas ótimas do Tavito e do Zé Rodrix que ela postará depos que sair do transe...rs...

"Na verdade eu tive a sorte de cair numa banda que... eu queria trepar, foder, as na verdade, parecia um mosteiro. Tudo mto assim... treinava 10 horas por dias. "

"Ele [Luiz Paulo, tecladista do Vímana] parecia o visconde de sabugosa! Ele é totalmente distraído. Quando a gente morava junto, ele saía pelado do banheiro com a toalha na boca, ele tava compondo... com o braço esticado assim, olhando pra cima... tocando no braço... teclado com a mão direita..."

"A primeira doença venéria que eu contraí, foi quando eu entrei no vímana. Pô, eu era semivirgem! Foi num dia do soldado... 25 de agosto de 77, eu fazia 18 anos... E eu pensava, porra, vou ter que comer uma mulher... eu morava ali num lugar em laranjeiras, que tinha o famoso BO, "Buceta de Ouro", um puteiro, uma casa colonial... e eu fui lá... consegui, e na semana seguinte eu consegui dinheiro e fui lá, eu me lembro, sentei lá fazendo pose de cara experiente e pedi um guaraná caçula, hahahhahaa, cheio de chinfa... tava dando a maior bandeira... e na semana seguinte fui de novo e descolei uma gonorréia, o que naquela época era motivo de orgulho... vc praticamente tinha que cantar, era um upgrade... e eu sofria assédios sexuais... hahahahhaa"

"Pô, eu me lembro...a gente tava ensaiando no Teatro Casagrandre, o Fernando nunca foi de verbalizar, ele é mto na dele... aí to eu lá, tocando bateria e vendo tudo lá da frente, tinha assim o Lulu, o Fernando e comecei a ver o Lulu peitar o Fernando, burburinho, daqui a pouco parou todo mundo e eu so vejo o Lulu com aquela boca enorme e eu só vendo a silhueta... daqui a pouco veio...
Fernando: Lulu, deixa eu só falar uma coisa?
Lulu: não, vc não tem razão, não vai falar nada...
Fernando: é que vc ta com bafo de merda, por favor, para de falar...
Aìí Lulu esmureceu, saiu frágil, chorando, ofendidíssimo, a gente ria, e o Fernando tentando explicar... aí depois chega o Lulu, olha pra todo mundo teatralmente, encara todo mundo, pega uma craviola, toca uma musica linda, mto canastrona, “Amanhã, eu prometo, eu vou ser outra pessoa, espere até amanhã”... "


Quem viver, verá!

quinta-feira, 6 de setembro de 2007

Laílson e seus traços psicodélicos


Laílson de Holanda Cavalcanti (tem nome mais tradicional que esse?) é capricorniano, nasceu em 1952 em Recife. Novinho, foi estudar nos EUA e começou a publicar suas charges por lá. De volta ao Brasil, se uniu aos colegas Paulo Rafael e Zé da Flauta e formou a banda Phetus. Em 1973, grava com Lula Côrtes um dos clássicos do Udigrudi, o álbum Satwa.

Seus traços acompanharam a onda ultrapsicodélica. Confira alguns trabalhos daquela época:


"Por trás de tudo a realidade"
"A dama dos cogumelos"


"Antes de morrer eu queria lhe ver mais uma vez"



quarta-feira, 5 de setembro de 2007

Spectrum no Poploaded!


Essa informação veio do Rodrigo Carneiro, que ouvindo o Poploaded, no IG, reparou que o Fábio Massari colocou Spectrum pra tocar! Ótimo!

Pra quem não conhece, o Poploaded é o podcast do Massari e do Lúcio Ribeiro.


Escuta aqui! Tá no segundo bloco do programa #26

Quem curtiu, baixe aqui o disco inteiro

Quem quiser saber mais sobre a banda, o filme, etc, etc, etc, clique aqui e aqui


E pra quem ficou curioso, quer ouvir mais da década da psicodelia brasileira... é só dar uma fuçada nos posts anteriores!


terça-feira, 4 de setembro de 2007

São Francisco celebra 40 anos do "verão do amor"

Mais um post da série: (clipping) preguiçoso...


03/09/2007 - 15h31


São Francisco celebra 40 anos do "verão do amor"
Da Ansa
John Schults/Reuters


Ray Manzarek (ex-The Doors) visita o túmulo de Jim Morrinson, em cemitério de Paris (03/07/2001)LOS ANGELES, 3 SET (ANSA) - Era a cidade da geração beat, no Estado da Califórnia, que mais que qualquer outra conseguiu encarnar os sonhos e as aspirações dos filhos das flores. Quarenta anos após o Summer of Love de 1967, São Francisco celebrou neste domingo o aniversário daquela incrível estação.


Para comemorar a data foi feito um show grátis, no espírito de então, que recebeu algumas das estrelas dos anos 60 como Ray Manzarek dos The Doors, Jefferson Starship, Barry Melton, James Gurley e muitos outros, que tocaram para um público de 40.000 pessoas ainda dispostas a celebrar aquele sonho, mesmo ele tenha acabado de forma triste.


"Pensávamos que podíamos mudar o mundo, pensávamos ter condições de criar um 'Mundo cristão do amor', naturalmente não ocorreu. Aqui estamos nós hoje, 40 anos depois, e ainda em guerra. Foi uma grande desilusão", disse à Reuters Ray Manzarek, de 68 anos, tecladista dos The Doors.Aquele de 1967 foi para São Francisco um verão particular. A cidade se tornou o centro das jovens gerações que queriam viver um estilo de vida diferente. Sob o slogan de "sexo, drogas e rock'n'roll", pregavam o amor, a abolição das barreiras sociais e a retirada das tropas americanas do Vietnã, e hoje, muitos dos garotos de então retornaram, com alguns cabelos brancos a mais, para cantar os mesmos slogans, fumar maconha e reviver o estilo hippie.


Algumas mulheres, no parque de Golden Gate, vagaram por toda o dia oferecendo abraços grátis a todos, mas a nostalgia e o sentimento de desilusão se mostravam claros na comemoração."Sinto-me traído por aquelas mesmas pessoas que preconizavam a filosofia hippie, muitos dos ideais que pareciam então muito sólidos foram traídos pelas nós mesmos, pelos mesmos hippies. Muitos de nós o fizeram por dinheiro e se tornaram yuppies e republicanos", disse Fito De La Parra, percursionista da banda Canned Heat.
Barry Melton, conhecido antão pelo apelido de The Fish, que há tempos deixou a carreira musical para seguir a de advogado, disse que o que estragou tudo, os garotos e os ideais, foram as drogas. "Havia uma atitude benigna com a droga, um comportamento muito ingênuo, cometemos erros significativos", disse ele.
O próprio slogan de amor e amizade eternos foram traídos pelos próprios, freqüentemente ocorreram rupturas dentro das tantas bandas de rock que se formaram. "Tínhamos valorizado demais a natureza humana, acreditávamos no amor e na amizade e os enganamos, meu desapontamento se voltou contra mim mesmo", comentou James Gurley, 67, que tocou com o grupo Big Brother and the Holding Company antes de romper com a líder Janes Joplin, que acabou morrendo posteriormente de overdose. (ANSA)

segunda-feira, 3 de setembro de 2007

Discos e internet

A seguinte reportagem, publicada no Link desta segunda, foi feita com uma mãozinha nossa. Peuqena homenagem a todos que disponibilizam as bolachas na internet e disseminam conhecimento.

Velhos, LPs convivem bem com a era do MP3

ERNESTO RODRIGUES/AE
RARIDADE DIGITAL - Fábio Peraçoli, do blog 'Brazilian Nuggets', procura bandas brasileiras raras dos anos 60 e 70 e coloca para download

Nas mãos de fãs e blogueiros, bandas antigas são redescobertas

Se nos anos 90 as gravadoras decidiram trocar o vinil pelo CD de vez, agora na era do formato digital, o MP3 tem ajudado a trazer de volta bandas esquecidas em bolachões na casa dos 30, 40 anos.

Ao se juntarem em comunidades (online ou não), fãs de artistas do passado já subvertem a idéia de que a música teve uma evolução lógica: passou pela fase do vinil, do CD e, agora, do formato digital. Para os fãs, os formatos convivem sem substituir o outro.

Um exemplo é Fábio Peraçoli, de 34 anos. Fã de vinil,ele tem um blog onde coloca para download as músicas de artistas brasileiros das décadas de 60 e 70. “O mais legal da web é poder conhecer bandas de outras épocas. Não precisa ficar limitado. Do ponto de vista de quem ouve, o MP3 coexiste bem com o vinil”, diz.

O que levou Fábio a criar o blog (http://brnuggets.blogspot.com) foi sua curiosidade pelas bandas brasileiras antigas de rock psicodélico que não foram relançadas em CD. “Já gostava de música estrangeira dessa época, mas percebi que não existia informação sobre as bandas daqui”, afirma.

Fábio não tem medo de problemas com direitos autorais. “Não coloco bandas que estão em catálogo em CD. Só discos sem qualquer perspectiva comercial”, diz.

Outro blogueiro (http://loronix.blogspot.com) que faz um trabalho parecido é ‘Zeca Louro’, que preferiu não ter seu nome divulgado. “Bandas como o ‘Dionísio e seu Quinteto’ nunca seriam conhecidas se não estivessem na web. O MP3 criou uma demanda nova pelo vinil. Dá um ar de novidade ao movimento musical do passado”, afirma. ‘Zeca’ acredita ainda que o MP3 provocou uma redescoberta da música brasileira também em outros países.

Um pouco mais realista quanto ao impacto do MP3 na indústria fonográfica, o DJ Anderson Noise vê mais dificuldades mercadológicas.

“Às vezes acho que os discos vão acabar mesmo. A moçada nova não vê prazer em ter o objeto. Mas eu, além de comprar, não vou deixar de lançar discos com meu selo em vinil”, afirma ele, que, pela facilidade de transporte, tem discotecado mais com MP3 ligado a um simulador de vinil.

Também pela praticidade, Amarilis Gibeli, colecionadora de vinis e DJ, passa seus discos para MP3. Mas o caso é diferente. Amarilis, que também é dona da loja virtual http://nearmint.gemm.com, teve um problema de visão. “Fica difícil ver a capa do vinil e colocar a agulha no lugar quando estou sozinha. O computador foi a saída para continuar meu trabalho”, afirma.

Leia na íntegra.

quarta-feira, 29 de agosto de 2007

Detalhes do episódio final

Depois de uma série de posts preguiçosos...
Nosso último capítulo tem o intuito de apresentar a psicodelia atual - se é que ela existe. Vamos entrevistar alguns músicos assumidamente influenciados pelo estilo, além de conversar com alguns jornalistas que poderão explicar melhor do que nós algumas coisinhas da cena atual.Abaixo, um compilado de vídeos de algumas das pessoas que entram neste texto final: Júpiter Maça, Marsicano, Rogério Skylab, Mopho, Apollo 9...
Sr. Apple
Marsicano

Rogério Skylab

Mopho

Fico devendo um vídeo do Apollo 9!

segunda-feira, 27 de agosto de 2007

Paulo Ricardo, The Doors, e um resquício de psicodelia


Sobre o tema Huxley, Doors, etc, um texto de Paulo Ricardo (?!?!) que saiu hoje, 27 de agosto, na Folhateen... Detalhe para a assinatura modesta do gato


Portas abertas
Discografia completa dos Doors é relançada em CDs cheios de bônus


PAULO RICARDO

ESPECIAL PARA A FOLHA


As Portas. Eu sempre me perguntei que raio de nome era este, que soava bem em inglês mas não fazia o menor sentido em português. Até que conheci William Blake. E Rimbaud, Baudelaire, Ginsberg, Timothy Leary, caras que, se você nunca ouviu falar, meu caro teenager, pode começar a pesquisar.Foi aí que descobri que o nome The Doors foi tirado de um poema do tal William Blake, "The Doors of Perception". "Abra as portas da percepção, etc...". "As Portas da Percepção" também foi o título que Aldous Huxley deu, em 1954, para o livro em que narra suas experiências com a mescalina.


A WEA relança de uma vez, com encartes cheios de fotos, comentários, todas as letras e várias bonus tracks, a coleção completa dos Doors, uma das maiores bandas de rock de todos os tempos, seis CDs gravados em inacreditáveis cinco anos, entre 67 e 71, sem dúvida um dos períodos mais férteis e produtivos do século 20. Não por acaso James Douglas Morrison conheceu Ray Manzarek no curso de cinema da UCLA. Realmente, o que se viu/ouviu quando eles abriram as "portas" foi cinema transcendental da melhor qualidade.


A poesia delirante de Morrison, serpenteando sobre o blues surrealista da banda, expandiu as fronteiras da música pop como muito poucos. E não só, Jim viveu intensamente cada canção, protagonista alucinado 24/7 de sua própria loucura, o Rei Lagarto em pessoa. Ninguém sai daqui vivo."The Doors", o primeiro, é um dos mais poderosos álbuns de estréia de todos os tempos. Chega a ser irônico abrir os trabalhos com um petardo do calibre de "Break on Through (To the Other Side)", verdadeiro hino ao rock'n'roll. Não bastasse, ainda traz "Light My Fire" e termina com a edipiana "The End". Fala sério... Os caras mantiveram o nível com "Strange Days". "People Are Strange", "Love Me Two Times" e "When the Music's Over" são algumas das atrações dessa viagem. "Waiting for the Sun", o terceiro, não é páreo para os anteriores, mas "Hello, I Love You" vale o CD. No quarto, "The Soft Parade", Jim já está pra lá de Kashmir, como se pode perceber pelas fotos. "Touch me", ele diz, mas prefiro tocar o próximo, "Morrison Hotel", um dos meus favoritos, que abre com o clássico "Roadhouse Blues" e recupera o pique inicial dos Portas.


A despedida fica por conta de "L.A. Woman", que além da faixa-título também cravou "Riders On The Storm" no mármore da história. Jim Morrison é hoje um dos maiores ícones do rock. Sua imagem dionisíaca em camisetas espalhadas pelo mundo, um dos poucos eruditos dessa cultura pagã, um poeta do primeiro time, um quase cineasta que fez de sua vida seu blockbuster. Morreu de overdose de tudo aos 27 anos, gordo, barbudo, numa banheira de hotel em Paris, onde vivia. Maiores detalhes no excelente filme de Oliver Stone, "The Doors". Close the windows, open the doors, light my fire, let it roll, baby, roll, all night long!


PAULO RICARDO DE MEDEIROS , 44, foi jornalista musical nos anos 80, antes de se tornar astro do rock

quarta-feira, 22 de agosto de 2007

A psicodelia mágica de Carlos Castañeda

Este post tem um motivo. Quando eu fui entrevistar o Caetano, ele citou bastante o Carlos Castañeda. Como eu não conhecia nada de real, físico - apenas comentários e trechos e etc, fui dar uma procuradinha na internet. Achei algumas coisas interessantes que posto em seguida. Como este post vai ficar enorme e eu sei que a maioria não vai ter muita paciência, vou dar uma orientada: Primeiro tem um resumo vida e obra. Depois Tem uma entrevista polêmica na Time. E então posto uma outra entrevista, desta vez na famigerada Veja, em 1975.

Ladies 'n Gents, Señor Castañeda.

A História resumida:
Carlos Castaneda (1935- 1998) nasceu no Brasil, numa cidade do Vale do Paraíba, e passou a infância em uma fazenda próxima de Mairiporã, interior de São Paulo. A fazenda era de seu avô paterno, e sua mãe foi provavelmente uma emprega Castaneda declara que foi um ato sexual pobre, que os pais mal se deram conta do que haviam feito, pois eram muito jovens (15 e 17 anos) . Teria passado a infância com visitas periódicas do pai nessa fazenda. Caçava. Fazia travessuras na cidadezinha próxima e saía correndo. Foi continuar seus estudos na Argentina, país que lhe agradou. Então, com ajuda paterna e muito esforço próprio foi para Los Angeles, fazer antropologia na UCLA. Era um aluno aplicado. Namorou uma moça loira. Teve um filho, que não criou. Apesar disto, sempre gostou de crianças.

Os livros de Castaneda são autobiográficos, e por ter um conteúdo extraordinário, por muitos são considerados fantasiosos. São um relato de seu aprendizado com Don Juan Matus e de suas experiências de iniciação à feitiçaria, entendida como um conhecimento formado a partir da antiga cultura tolteca pré-colombiana. Juan Matus é um nome falso, porque nomes tem poder, e não devem ser manipulados em vão. Castaneda estava se formando em sua faculdade quando partiu em pesquisa de campo afim de levantar dados para sua tese de doutorado, cujo assunto era o uso de plantas medicinais entre os índios mexicanos. Preencheu muitas páginas com anotações e entrevistas nessa pesquisa. Então resolveu ir atrás de informações sobre alucinógenos usados em rituais, como o peiote, a erva do diabo (estramônio) e o cogumelo mexicano. O peiote já havia sido objeto de pesquisa ocidental acadêmica. Sintetizaram o seu agente químico, a mescalina. Aldous Huxley tomou essa droga e sua experiência serviu de base para o ensaio As Portas da percepção e Céu e Inferno.
Através de um conhecido de Castaneda, Bill, ele teve um primeiro encontro com Don Juan, numa estação de ônibus. Bill havia falado que aquele velho sabia do assunto mas era intratável e vivia bêbado. Castaneda foi logo pedindo informações sobre o peiote, dizendo que sabia muitas coisas sobre isso quando na verdade sabia pouco. Don Juan captou sua mentira e refletiu-a com um olhar. Esse olhar marcou Castaneda. Mais tarde Don Juan afirmou que lhe mostrou pela primeira vez a segunda atenção. Envergonhado, Castaneda se preparou durante seis meses e voltou, descobrindo a casa de Don Juan por meio dos habitantes do vilarejo. Don Juan, muito caricato, o recebeu, e desde o início usou de subterfúgios, armou situações e explorou o sentido figurado das frases. Ele era um yaqui de Sonora, nascido por volta de 1875, mas é meio mítico. Nunca entrou em algum contato com o público ocidental e seus ensinamentos envolviam uma sutil manipulação da realidade perceptível. Pouco se sabe de seu passado. Teria perdido o pai e mãe ainda jovem. Era muito forte. Trabalhou em uma fazenda, sendo explorado por um empregado, que ele chama de pequeno tirano, como escravo. Levou um tiro dos capangas e foi achado e curado pelo seu benfeitor, nagual Julian. Um de seus primeiros ensinamentos - conforme relata Castaneda em seu terceiro livro, Viagem a Ixtlan - é para se apagar a história pessoal. Pois você tem de alimentar a opinião dos outros com ela, com relatos. Assim deve uma obrigação, fica fixo. Se começar a não falar realmente o que você faz, fala Don Juan, ficará envolto numa áurea de mistério.
Ocorrem muitos desentendimentos entre o jovem estudante e o velho índio. Castaneda passa a impressão que é inepto e medroso. Mas essa é uma artimanha e uma forma humilde de passar sua mensagem. Para se livrar das amarras da realidade consensual e entrar na consciência e percepção mágica, adquirindo fluidez, o bruxo tem que preencher muitos requisitos e fazer muitas tarefas, até mergulhar no mistério da essência e adquirir a percepção extraordinária conhecida como ver. Há muitas coisas para se ver, como os ovos luminosos, a realidade última do ser humano. Essas revelações foram dadas aos poucos por Don Juan. Castaneda foi entrando profundamente até se ver engolido pelo sistema de crenças que se dispôs a estudar como antropólogo. Os dois primeiros livros, A erva do diabo- um caminho yaqui para o conhecimento (no título original Os ensinamentos de Don Juan) e Uma estranha realidade, lançados em 1968 e 1971, falam das experiências com alucinógenos. Mas Castaneda, que estava adquirindo prática na feitiçaria, retoma o início da aprendizagem de 1960, 1961 no terceiro livro, de 1973 - Viagem a Ixtlan. Don Juan no princípio se recusou a falar do peiote, e as experiências alucinógenas, de fato, não são a parte principal do pensamento do autor, como ficou disseminado. Cada capítulo em Viagem a Ixtlan funciona como uma martelada. O objetivo de Don Juan desde o princípio foi fazer o aprendiz parar o mundo. O mundo é o que é porque desde o início das nossas vidas somos obrigados a empregar um sistema de interpretações pela influência dos mais velhos em nós. Com um inventário de memórias e de ítens, e com um diálogo interno progressivamente mais complexo, nossa percepção se torna fixa e enxergamos o mundo da mesma forma todos os dias. Assim, parar o mundo é parar o modo como o Ego conduz subjetivamente nossa consciência. Don Juan bombardeou sucessivamente o Ego de Castaneda, realçando sua pequenez diante da eternidade e da vida. É preciso perder a importância própria para apreciar realmente o mundo ao redor. A vaidade faz com que nos ocupemos com nossos problemas como se fôssemos a coisa mais importante do mundo, e nós tratamos a realidade com uma mesquinharia tremenda. Assim, um bom exercício para se perder a importância própria é conversar em voz alta com as plantas.
De fato, se compararmos os acontecimentos ordinários com a morte, eles perderão a importância. Por isso a morte deve ser usada como uma conselheira. Devemos perguntar à ela, ensina Don Juan, se já chegou a hora de seu toque. Sem Castaneda falar nada, Don Juan viu nele o dia em que sua morte deu um aviso. Foi quando ele era criança e estava caçando um falcão albino. Don Juan também fez Castaneda ver uma sombra de relance. Era sua morte. Ela sempre está à nossa esquerda, a um braço de distância. No O Fogo Interior, livro que relata as experiências na segunda atenção, com a consciência em estado intensificado, Castaneda explica melhor. A morte é uma sombra negra na luminosidade da pessoa que chega a ficar do tamanho dessa e dar uma estocada na fenda que temos no ovo luminoso, debaixo do umbigo. A força rolante, uma força do universo martela nesse ponto sem cessar, até que a pressão se torna muito forte e o casulo se enrola, como um tatu-bola, e é levado para ser consumido.
Em 1961, Castaneda aprendeu a ser um caçador. Um caçador é humilde, fala pouco e caça o necessário. Não tem rotina, pois são elas que fazem o mundo parecer fixo e maçante. A rotina cria uma força, que enfraquece e molda os hábitos. Devemos romper com ela. Castaneda conseguiu romper com ela fazendo coisas como escrever noturnamente e comer apenas quando sentia fome. Don Juan passa a levar mais a sério e se dispor mais com Castaneda quando percebe augúrios ou presságios do espírito, indicando Castaneda como discípulo. Um feiticeiro sabe ler o mundo, e o Espírito dá sinais o tempo inteiro para quem sabe observar. Don Juan adverte que corvos não são simples corvos. Podem muito bem dar indicações importantes para as pessoas, como o sentido em que se deve prosseguir. Don Juan tinha uma ligação com corvos. Na verdade, adorava-os.
Um bruxo, ou guerreiro assume a responsabilidade por seus atos. Cumpre sua missão de forma impecável, e não se preocupa com as conseqüências. Uma maneira de ser impecável é seguir o caminho do guerreiro, que é um modo ético de se servir o Espírito. Um guerreiro é inacessível. toca o mundo sem exagero e não está disponível para o capricho das pessoas. Mas caça o poder, se mostrando para ele.
No breu absoluto da noite do deserto mexicano, Don Juan ensina à seu aprendiz o passo do poder. Fala para ele confiar no nosso seu poder pessoal, e usar de passo especial, levantando o joelho até o abdômen. Assim, pode-se correr à noite. É uma maneira de desenvolver seu propósito, sua intenção. Matreiramente, Don Juan observa que um velho como ele correr a noite no deserto seria suícidio, não fosse o passo de poder. E para incentivar Castaneda, dá pequenas voltas troteando em torno dele, dizendo que não sabe caminhar nestas condições, só correr. Sozinho na escuridão, Castaneda precisa seguir o pio de coruja de Don Juan para chegar até ele. Mas, depois de um tempo, o pio passa a ser imitado pelos entes da noite. Assim, Castaneda narra um primeiro contato marcante com os seres inorgânicos. Os seres inorgânicos são melhores explicados no último livro, A arte de sonhar. Sonhar significa sonhar com um propósito, consciente e controlando os sonhos. O primeiro portão do sonhar se atinge quando estamos conscientes de estarmos caindo no sono. Um exercício para treinar a atenção é olhar as mãos no sonho. Assim, você se lembra de uma ordem dada quando estava acordado. Olhando para um item e para sua mão, sucessivamente os sonhos não se alteram. É uma técnica um tanto rudimentar, mas de início, dá resultado. O segundo portão se atinge pulando de um sonho para outro, ou acordando de um sonho para outro sonho. A verdadeira tarefa do segundo portão é isolar e seguir um batedor. Um batedor é um ser de alguma parte do universo infinito que freqüenta os nossos sonhos, sem sabermos. Os seres inorgânicos mandam batedores para os nossos sonhos. Eles se destacam nos sonhos porque são objetos estranhos. Os seres inorgânicos podem se tornar aliados de um bruxo, conversar telepaticamente. Não são bons nem maus, mas aos olhos de quem não vê são apavorantes. Tem um poder muito grande. Castaneda relata diversas aparições desses seres enquanto estava acordado. Os bruxos antigos adoravam seus aliados. A nova linhagem os vê com mais distância. A nova linhagem surgiu com a reagrupamento de bruxos depois da conquista espanhola, que massacrou populações. Don Juan fazia parte dessa linhagem, cujo objetivo é alcançar a liberdade e o abstrato, atingir um estado explicado em O fogo interior como a terceira atenção, quando todos os lugares que o ponto de aglutinação do bruxo esteve são acendidos de uma só vez, e ele se torna o que realmente é, uma explosão de energia. Os bruxos dessa linhagem não são necessariamente índios. Há o relato de diversos brancos que participaram dela. Don Juan faz uma crítica ao poder mesquinho que a segunda atenção pode despertar. Alguns usam esse poder para se apegar às coisas do mundo, como o dinheiro ou fixar a atenção em outras pessoas até fazer-lhes mal. O homem tem um lado sombrio que é refletido também na segunda atenção.
Falando em voz alta sua intenção no sonho, pode-se seguir um aliado até o reino deles. O reino deles é descrito como tendo várias partes e três tipos de seres inorgânicos. É escuro e cheio de corredores. Castaneda fez diversas visitas para esse reino, até que caiu numa armadilha e ficou preso lá. Don Juan reuniu seu grupo e foi buscá-lo, com o corpo físico. Assim, Castaneda ficou livre para o terceiro portão. O terceiro portão é alcançado quando vemos a nós próprios dormindo. O guerreiro está preparado para esse momento, e em vez de acordar, como fariam a maioria das pessoas, passa a examinar o lugar que seu corpo está dormindo. Porque ele está no corpo energético. Através da prática do sonhar, chega-se ao corpo energético, ou corpo sonhador. Nesse portão o corpo sonhador move-se como a energia, rápida e diretamente. O quarto portão é alcançado quando se sonha o mesmo sonho junto com outra pessoa. Castaneda sonhou com um bruxo pré colombiano e voou nas asas do intento. O intento é a força que permeia tudo, perscrutando o ser e o tornando consciente. O intento é a potência do espírito. O bruxo desenvolve seu intento através da vontade. Com um propósito inflexível, se põe num nível maior que ele mesmo, mais louco do que poderia imaginar. Mas esse são os ensinamentos da segunda atenção. O bruxo de que falei é conhecido como o inquilino, ou o desafiador da morte. Pegando energia dos naguais da linha de Don Juan, consegue fechar sua fenda e escapar da morte. É um grande feiticeiro, poderosíssimo, o último da original linhagem tolteca vivo. Vive num espaço diferente, como em sonho. Castaneda se encontrou com ele e ficou dez dias na segunda atenção. A segunda atenção é o círculo extra de poder que o bruxo desenvolve. As pessoas tem um círculo de poder que é posto em funcionamento no momento em que nascem. Ele faz com que vejamos o mundo. O feiticeiro desenvolve um segundo círculo de poder, para perceber mais. É uma metáfora. A atenção é o resultado final da percepção. É o estado de vigília incessante. A primeira atenção é a do mundo ordinário, a segunda faz parte de uma coisa maior, como ver energia. A atenção do ser humano é divida pelo tonal e o nagual. O tonal é tudo o que podemos imaginar e consta na nossa mente e no nosso inventário. O nagual faz parte da atenção do ser consciente de sua luminosidade. Se tudo o que conhecermos for posto numa mesa, todos os itens, poderíamos supor que a mesa é o tonal. O universo à volta é nagual. O bruxo sai da segurança do tonal para encarar o inconcebível. Essa teoria é exposta no quarto livro, Porta para o Infinito. Para desenvolver a segunda atenção, é necessário não fazer. Fazer é o que torna o mundo do jeito que o enxergamos. Uma pedra só é uma pedra porque conhecemos o fazer necessário para isso. Não fazer seria tudo aquilo que nós não temos um valor cognitivo. É o corpo quem Não faz. É um método, conseguido por coisas estranhas à razão, que torna o mundo diferente. O mundo é uma sensação, e a realidade é uma interpretação. Não fazer é necessário para parar o mundo. Um ponto importante para se seguir adiante no aprendizado é conseguir parar o diálogo interno. O diálogo interno é mais uma coisa que mantém a percepção fixa, sendo necessário pará-lo e ficar apenas sentindo para romper com o esquema de direção e norteamento que a razão dá. Assim, pode-se entrar num transe e outras coisas. Em um certo período, Castaneda teve de se preocupar com seu adversário valoroso,La Catalina. La Catalina era uma conhecida de don Juan, amistosa com ele. Mas ele falou que era sua inimiga para Castaneda enfrentá-la e usar tudo que tinha aprendido. Ela o atacou, se transformava em pássaro e usave de outros meios para apavorá-lo.
Depois que Castaneda se tornou realmente aprendiz de Don Juan, este deu plantas de poder para ele. Elas era necessária para Castaneda vencer sua razão. A razão nos faz encarar o mundo de forma rígida, não admitindo percepções extraordinárias. Para ficar mais fluído, Castaneda tomou essas plantas. Mascou peiote e viu um cachorro brilhando, seus fluídos internos. Don Juan interpretou como o Mescalito, divindade contida na planta de peiote. Mescalito ensinou uma canção à Castaneda. Sob a influência do mescalito e de Don juan, adquiriu a percepção de um corvo. Sentiu seu corpo se transformando em um, e voou com seus companheiros pássaros. Foi o inquilino que ensinou essa técnica para Don Juan, que a passou para Castaneda. Castaneda também usou a erva do diabo. Don Juan alerta que é uma planta perigosa e muito poderosa, cheia de caprichos. Faz-se um extrato da planta, e passa-se pelo corpo. Não pode passar na testa. Castaneda passou e entrou fundo na Segunda atenção. Com dois lagartos, um no ombro falando para ele, teve muitas visões. Fez uma pergunta acerca do mundo real e ela foi respondida.

E Castaneda teve suas experiência com um fumo de cogumelo alucinógeno. Viu o guardião do outro mundo, uma aberração gigantesca. Quando estava entrando na segunda atenção, fixou-a num mosquito, e viu a aberração. Não quis mais fumar, e ficava desesperado quando Don Juan sugeria o uso. Igualmente desesperado ficava quando Don Genaro, um companheiro de Don Juan, lhe mostrava o não fazer. Don Genaro era extremamente potente, brincalhão e alegre. Tinha outros aprendizes, Pablito, Nestor e Benigno. Genaro mostrou as linhas de energia do mundo. Pulava para uma montanha a quilometros de distância. E quando Castaneda perguntava como isso era possível, a visão desaparecia. Tinha muitas danças de poder. O grupo todo de Don Juan tinha dezesseis pessoas, sendo que doze mulheres. Depois que Don Juan foi embora, Castaneda teve um período de interação com os outros aprendizes. Foi muito conflitante. Destacava-se Elena, a La Gorda, que o ajudou a se lembrar da sua segunda atenção e a organizar seu saber. Castaneda brigou com Soledad, suposta mãe de Pablito. Fez o seu duplo sair algumas vezes. Esses relatos estão no amedontrador livro O Segundo círculo do poder. No livro seguinte, O presente da Águia, depois de mais interações com os aprendizes, Castaneda conta que se lembrou da segunda atenção.
O seu aprendizado se divide em duas partes: uma de 1960 a 1965, quando deixou o aprendizado, outra de 1968 a 1973, quando Don Juan partiu do mundo. A última instrução direta de Don Juan para Castaneda foi para ele pular de um abismo, e entrar totalmente no lado esquerdo, ou segunda atenção. Castaneda pulou, e depois de uma série de visões, voltou a terra. Nunca mais viu Don Juan. Mas, se lembrando do lado esquerdo, são outros livros com ensinamentos mais profundos. Castaneda aprendeu o regulamento que fala da Águia. A Águia seria a fonte de tudo, responsável por uma realidade transcedente, que forma o mundo. O mundo é constituído de filamentos infinitos de energia, que exudam consciência e provém da Águia, pois emanam dela. É o poder que governa o destino de todos os seres vivos. O vidente olha a Águia e quatro relâmpagos revelam como ela é e o que está fazendo. A Águia está devorando a consciência de todas as criaturas mortas, pois consciência é o seu alimento. Como uma recicladora de matéria espiritual. A Águia é impiedosa, e com ela não se brinca. Ela concede um presente a cada uma nas criaturas vivas: o de perpetuar a consciência depois da morte. Para isso, a criatura tem que buscar a abertura. Para se guiar até essa abertura, a Águia criou o nagual. O nagual é uma criatura duplicada, que tem o poder de ser um conduto do espírito. Por causa disso, os seres que conduzem ao nagual (segunda atenção) são chamados de naguais. Os naguais tem quatro compartimentos de energia, enquanto as criaturas normais tem apenas dois. Don Juan e Castaneda são naguais. Só que Castaneda não é um nagual completo, pois tem só três compartimentos. Don Juan havia se enganado na interpretação de sua visão. Os outros quatro tipos de criaturas , nos homens, são: os homens de conhecimento, estudiosos. O segundo é o homem de ação. O terceiro é o organizador por trás dos bastidores, misterioso, o quarto é o mensageiro. Seu papel é viajar adiante do nagual e contar seu relato. Não funciona por si só. No grupo de Don Juan, Vicente é do primeiro tipo, Genaro do segundo, Silvio Manuel do terceiro. As mulheres , além das naguais, são de quatro tipos, ou quatro direções: norte, sul, leste e oeste, cada qual com características predominantes de essência e comportamento. As mulheres podem ser sonhadoras ou espreitadoras.
Na realidade transcendente das emanações da Águia, os videntes descobriram, ao ver um ovo luminoso, que a consciência é um brilho e pode ser usada como um elemento do ambiente. Pode se fundir na água e usá-la para viajar na segunda atenção. Nessa interpretação, o ovo luminoso também é constituído de emanações da Águia. É um casulo luminoso, e as emanações que estão dentro se alinham com as que estão fora. A percepção é o alinhamento, quando há a compatibilidade entre o ser e o exterior, se constrói o mundo. O mundo não é fixo, pois é infinito. Apenas uma ínfima parte das emanações são percebidas pelos humanos, reduzida ainda mais pela consciência cotidiana. Essa pequena parte é selecionada por um ponto no casulo: o ponto de aglutinação da percepção. Esse ponto seleciona uma parte das faixas que compõe o universo e fixa um mundo. São infinitas posições, mas uma, que a humanidade atualmente usa é a da razão. O ponto de aglutinação está fixo em um lugar na humanidade. Quando isso acontece, vêm o esquecimento de outras posições, e no caso, vem o esquecimento da condição do homem como criatura de pura energia, de luz, assim como o mundo. Para movê-lo, os bruxos desenvolveram três técnicas, a da espreita, a da consciência e a do sonho.
Espreitar consiste em controlar o comportamento. Quando se comporta de maneira fora do usual, o ponto de aglutinação se move um pouco. Dá para usar seu comportamento para um objetivo em mente, iludir as pessoas, etc. Espreitar possui várias técnicas sutis. A mestria da consciência e desenvolvida a partir de ver. É poderosa, consiste na elaboração de técnicas enquanto videntes. A outra mestria é a do intento.
O ponto máximo, a coroação do desenvolvimento da segunda atenção implica uma maneira alternativa de morrer. Um homem de conhecimento que manipulou seu ponto de aglutinação em muitos lugares pelo ovo luminoso e recapitulou sua vida pode passar pela Águia e ser iluminado pelo Fogo Interior. Castaneda fala que isso aconteceu com Don Juan. Todas as células de seu corpo se tornaram conscientes de si mesma, e todas as emanações contidas no interior do casulo são iluminadas. Passou então para outro plano de existência, outro mundo. Definitivamente. Quando se dorme, o ponto de aglutinação se move levemente para a esquerda, criando o sonho. Sonhar é usado para fixar a nova posição do ponto de aglutinação. O ponto crucial de toda a feitiçaria é mover o ponto de aglutinação. Castaneda diz também, que ele é a espinha atravessada na garganta da humanidade, que não sabe de sua existência. O caminho do guerreiro é um modo de fechar as os pontos de escape, e economizar energia, necessária para ver. Considerando o lado mágico da consciência, Castaneda fala que fez uma recapitulação completa de sua vida. Recapitulou todas as interações com todas as pessoas, minuciosamente. Assim , ficou livre para sonhar.
Carlos Castaneda influenciou muitos jovens interessados em adentrar no mistério da consciência, alterando sua percepção e buscando interpretações alternativas do mundo. Muitos são os autores exotéricos e esotéricos que beberam dessa fonte, pois em muitos pontos seu trabalho . O antigo grupo, de Pablito e La Gorda se dissolveu, pois Castaneda não era o líder apropriado para eles. Castaneda conta que passou a interagir com um novo grupo, reunido por Don Juan antes de morrer, e formado por mulheres, Florinda Donner Grau, Taisha Abelar (que escreveram livros) e Carol Tiggs. Existem muitos pretensos herdeiros de sua obra, e m,mesmo uma corporação fundada sob seu nome que vende exercícios de "passes mágicos". Em todo caso, numa obra deste teor, surgem sempre inevitáveis dúvidas. Como por exemplo, ele explicaria o fato de passar dias em consciência intensificada e não se lembrar depois, nem dar conta disso quando estava normal? Nem sequer supunha saber algo a mais, como descreveu no Segundo círculo do poder. E a guinada de estilo que aconteceu entre o livro O poder do silêncio e o A Arte de sonhar? No mês de junho de 1998 veio a notícia, discreta, de sua morte. Um furo do jornal Los Angeles Times. A agente do autor revela que ele morrera dois meses antes, de câncer. Como ele mesmo relata, jamais conseguiu reunir conhecimento suficiente para se tornar um feiticeiro do porte de seus mestres. Fica a dúvida se o contato com don Juan fez bem ou não para ele, visto que 24 anos depois da morte de seu guia, ainda estava tentando recordar tudo o que acontecera, e continuava falando do velho índio. Ainda vivia sob a sombra de Don Juan ou apenas explorava o valor literário desse fascinante personagem? Uma coisa é influenciar um indivíduo a tal ponto que ele queira viver sob a mesma regência que a sua, mas depois de ensinado e feito tudo o que podia, esse indivíduo tem que ter a heteronomia de buscar ir além, ao mesmo não entrar em círculos viciosos de consciências, que tudo o que fazem são enfraquecer. Principalmente se tratando de um mundo tão sério e tão impiedosamente cruel e difícil como o mundo da energia, da consciência intensificada. De qualquer forma estamos em dívida. O contato com uma cultura diferente é sempre engrandecedor, e podemos divisar o fim do etnocentrismo quando um antropólogo de cultura ocidental estudando povos indígenas admite para si e para o mundo que seu objeto de estudo é mais vasto e profundo do que o de sua formação.
Revista Time:
A matéria abaixo é um documento importante, embora com aspectos lamentáveis. Escrita num momento crucial em que a fama e a repercussão de Castaneda estavam no auge, com livros vendendo como água, tinha o propósito implícito e explícito de classificá-lo como um mentiroso fantasioso. A reportagem sedimentou a informação, ao meu ver equivocada, dos dados biográficos de Castaneda relativos ao Peru. Na entrevista a Carmina Fort, de 1991, Castaneda lamenta o ocorrido e ironiza o esforço da revista em situar seus antepassos entre índios: "talvez achassem mais coerente que eu fosse um tipo de índio ou coisa que valha".
CASTANEDA - Mágica ou Realidade Matéria de Capa da Revista Time de 5 de março de 1973.Fonte: http://www.erowid.org/library/review/review_carlos_castaneda1.shtml
Tradução de Miguel Duclós
A fronteira do México é um grande divisor. Abaixo dela, o amontoado de estruturas da .racionalidade. ocidental hesita e afunda. O modelo familiar de sociedade . proprietário e camponês, padre e político, aparece por sobre um estranho chão - o México oculto, com seus brujos e carismáticos, seus feiticeiros e videntes. Alguns de seus costumes datam de 2000 a 3000 anos, como o uso do peiote, o cogumelo e o culto da glória da manhã dos antigos toltecas e astecas. Quatro séculos de repressão católica em nome da fé e da razão reduziram estes antigos costumes a uma subcultura, ridicularizada e perseguida. Mesmo num país de 53 milhões de habitantes, onde muitos mercados nas cidadezinhas tem vendedores de ervas medicinais, botões de peiote e beija-flores secos, o mundo dos feiticeiros ainda persiste. Seus cultos tem sido alvo de interesse de antropólogos há tempos. Mas cinco anos atrás, dificilmente alguém poderia adivinhar que uma tese de mestrado neste assunto recôndito, publicado na conservadora editora da Universidade da Califórnia, pudesse se tornar um dos livros mais vendidos do início dos anos 70.
VELHO YAQUI. O livro era Os ensinamentos de Don Juan: O caminho Yaqui de conhecimento (1968) (1). Suas seqüências Uma Estranha Realidade (2) e o atual Viagem a Ixtlan (1972) fizeram os EUA cultuar a figura de seu autor e seu tema: um antropólogo chamado Carlos Castaneda e um misterioso velho yaqui de Sonora chamado Don Juan Matus. Os livros de Castaneda são essencialmente histórias de como um ocidental racionalista é iniciado na prática da feitiçaria indígena. Eles cobrem um espaço de dez anos, durante os quais, sob a estranha, exigente e às vezes cômica tutelagem de Don Juan, um jovem acadêmico é obrigado a introduzir-se e compreender o que chama de a "estranha realidade" do mundo dos feiticeiros. O aprendizado da iluminação é um tema comum entre as leituras favoritas dos jovens americanos de hoje (por exemplo, Herman Hesse com seu romance Sidarta). A diferença é que Castaneda não apresenta seu ciclo de Don Juan como ficção, mas como um documentário sem embelezamentos.
O malicioso e musculoso bruxo velho e seu aluno acadêmico certinho encontraram primeiramente audiência nos jovens da contra-cultura, dos quais muitos ficaram intrigados pelos relatos das experiências com plantas alucinógenas (ou psicotrópicas). Erva-do-diabo, cogumelos mágicos, peiote. Os Ensinamentos venderam mais de 300 mil cópias de capa mole e está sendo vendido atualmente numa taxa de 16 mil cópias por semana. Mas os livros de Castaneda não são propaganda de drogas, e agora a classe-média pseudo-intelectual começou a abordá-lo. Ixtlan é um best-seller de capa dura, e suas vendas com capa mole (3), de acordo com o editor Ned Brown, irão fazer seu autor milionário.
Para dezenas de milhares de leitores, o primeiro encontro de Castaneda com Juan Matus, que aconteceu num empoeirado ônibus do Arizona, é um evento literário mais conhecido do que o encontro de Dante e Beatrice perto de Arno. Porque os ensinamentos de Don Juan foram impressos no exato momento em que, mais do que nunca, os americanos estão dispostos a levar em conta abordagens "não racionais" da realidade. Esta nova abertura de mente se mostra em vários níveis, dos experimentos de ESP financiados indiretamente pelo governo dos EUA até a multidão chorosa de 13 anos da Califórnia tornando-se exultante com a chegada de um guru infantil num jato fretado de Bombay. O acupunturista agora divide os holofotes com Marcus Welby, M.D, e suas agulhas parecem funcionar, sem que ninguém saiba por quê. Entretanto, a fama crescente de Castaneda trouxe também dúvidas crescentes. Don Juan não tem outra testemunha verificável, e Juan Matus é um nome tão comum entre os índios yaquis quanto John Smith é mais adiante, no norte. Castaneda é real? Se sim, ele inventou Don Juan? Ou Castaneda apenas está colocando-o no mundo real?
Dentre essas possibilidades, uma coisa é certa: não há dúvida que Castaneda, ou um homem sob este nome, existe: ele está vivo e bem em Los Angeles. É um falante antropólogo de olhos castanhos, rodeado de provas concretas de existência como uma caminhonete Volkswagen, um cartão de crédito, um apartamento em Westwood e uma casa de praia. Sua celebridade também é concreta. Ela o dificulta a dar aulas e palestras, especialmente depois de um incidente ano passado no campus de Irvine da Universidade de Califórnia, quando um professor chamado John Wallace conseguiu uma cópia de xerox do manuscrito de Viagem a Ixtlan , colocou junto com algumas anotações de um seminário sobre xamanismo que Castaneda dava, e vendeu o resultado para a revista Penthouse. Isso enfureceu Castaneda a tal ponto que ele tornou-se relutante em se comprometer a proferir qualquer tipo de palestra no futuro. No momento ele vive em Los Angeles .tão inacessível quanto possível., recuperando as forças de tempos em tempos no lugar que Don Juan chamou de .ponto de poder., no topo de uma montanha próxima ao norte de Malibu, que é uma cadeia de montanhas mirando o Pacífico. Muito se distancia das ofertas para filmar: .Eu não quero ver Antonny Quinn como Don Juan., disse com aspereza. Qualquer um que tente sondar a vida de Castaneda encontra um labirinto de contradições. Mas, para os admiradores de Castaneda, isto pouco importa. .Veja desta forma., disse um, .ou Castaneda está dizendo a verdade documental acerca de si e de don Juan, e neste caso é um grande antropólogo, ou é uma verdade fantasiosa, e neste caso ele é um grande romancista. De uma forma ou de outra, Castaneda vence..
De fato, apesar de o homem ser um enigma embrulhado em um mistério embrulhado em uma tortilla¸o trabalho é maravilhosamente lúcido. O relato de Castaneda desdobra-se com poder narrativo sem igual em outros estudos antropológicos. Seu terreno ornado de cactos organ pipe, desde as deslumbrantes montanhas do deserto mexicano até o interior bagunçado da cabana de Don Juan parece perfeitamente real. É um mundo profundamente articulado em detalhes, como o país Yoknapatawpha de Faulkner. Em todos os livros, mas especialmente em Viagem a Ixtlan, Castaneda faz o leitor experimentar a pressão de ventos misteriosos e o farfalhar de folhas no crepúsculo, a atenção especial do caçador para o som e o cheiro a crueza extrema da vida indígena, o cheiro cru da tequila, o odioso e fibroso gosto do peiote, a poeira no carro e o alteamento do vôo do corvo. É um ambiente admiravelmente concreto, denso e com sentido animista.
A educação de um feiticeiro, como Castaneda descreve, é árdua. Através de Don Juan ela destrói necessariamente a interpretação do mundo dos antropólogos; do que pode e não pode ser chamado "real". Os Ensinamentos descrevem os primeiros passos deste processo, que envolvem drogas naturais. Uma é a Lophophora williamsii, o cacto de peiote que, como promete Don Juan, revela a entidade chamada Mescalito, um poderoso mestre que ensina a você o "modo correto de viver". Outra é a Erva do Diabo, que Don Juan trata como uma presença feminina implacável. A terceira é o humito¸ o "fuminho", preparado com restos do cogumelo Psilocybe, secos e envelhecidos por um ano e então misturados com cinco outras plantas, incluindo sálvia. Ele é fumado com um cachimbo ritual e usado para adivinhações.
Estas drogas, Don Juan insiste, dão acesso ao .poder. de forças impessoais na amplitude do mundo que um .homem de conhecimento. . seu termo para feiticeiro . deve aprender a usar. Preparadas e administradas por Don Juan, estas drogas levam Castaneda a confrontos cada vez mais empolgantes ou apavorantes. Após mastigar botões de peiote, Castaneda tem encontros sucessivos com Mescalito como um cão preto, uma coluna, uma luz cantante ou uma espécie de grilo com a cabeça enrugada. Ele ouve impressionantes ruídos, impossíveis de se interpretar, oriundos das imóveis cadeias de montanhas de lava. Após fumar o humito e convesar com um coiote bilíngüe, ele vê o .guardião do outro mundo. aparecer na sua presença como um mosquito de cem pés com crista espetada e mandíbulas salivantes. Após esfregar seu corpo num ungüento feito com datura, o apavorado antropólogo sente várias sensações de estar voando.
Através de tudo isso, Castaneda raramente tem alguma idéia do que está acontecendo. Ele não pode ter certeza do que isto significa e mesmo se tudo isto "realmente" aconteceu, afinal de contas. Esta interpretação teve de ser fornecida por Don Juan.
Por que, então, numa época cheia de descrições de viagens, boas e ruins, as descrições de Castaneda são mais importantes do que as outras? Primeiro, porque elas são aparentemente conduzidas por um sistema - embora ele não tenha percebido isso quando ocorriam . imposto sacerdotalmente e com rigorosa disciplina pelo seu guia índio. Segundo, porque Castaneda manteve notas extensas e extraordinariamente vívidas. Um exemplo de descrição do efeito do peiote: .Em questão de instantes, um túnel formou-se ao redor de mim, muito baixo e estreito, duro e estranhamente frio. Sentia-se o seu toque como um muro de alumínio sólido... Lembro-me de ter que rastejar ao redor de uma espécie de ponto redondo onde o túnel acabava. Quando finalmente cheguei, se cheguei, havia esquecido tudo acerca do cachorro, Don Juan, e de mim mesmo.. Talvez o mais importante, Castaneda permanece sempre um racionalista tradicional. Seu único alívio são as perguntas: um constante, e às vezes infrutífero, esforço de manter um diálogo socrático com Don Juan.
.Eu voei como um pássaro?. .Você sempre me pergunta questões que eu não posso responder... O que você quer saber não faz sentido. Pássaros voam como pássaros e um homem que tenha fumado erva do diabo também.. .Então eu não voei realmente, Don Juan, eu voei na minha imaginação. Onde estava meu corpo?.. E por aí vai.
De acordo com ele, a primeira fase do aprendizado vai de 1961 até 1965 quando, assustado por estar perdendo seu senso de realidade . e possuindo então milhares de páginas de anotações . se afastou de Don Juan. Em 1968, quando os Ensinamentos apareceram, voltou a descer ao México para dar ao velho uma cópia. Um segundo ciclo de instruções então começou. Castaneda percebeu gradualmente que o uso de plantas psicotrópicas para Don Juan não era um fim em si mesmo, e que o caminho do feiticeiro poderia ser trilhado sem drogas.
Mas isto requer um perfeito aguçamento da vontade. Don Juan insiste que um homem de conhecimento só pode transformar-se a partir de um .guerreiro. . não literalmente um soldado profissional, mas um homem inteiramente ligado no seu ambiente, ágil, descarregado de sentimentos ou de .história pessoal.. Um guerreiro sabe que cada ato pode ser o último. E está sozinho. A morte é a base de sua vida, e sob sua presença constante ele age sempre .impecavelmente.. Este estoicismo existencialista é a idéia central dos livros. O objetivo do guerreiro é o de se tornar um .homem de conhecimento., e então entrar no clube seleto dos feiticeiros, isto é, .ver.. .Ver., no sistema de Don Juan, significa sentir o mundo diretamente, agarrando-se à sua essência, sem interpretá-lo. O segundo livro de Castaneda, Uma Estranha Realidade, descreve os esforços de Don Juan para induzi-lo a .ver. com a ajuda do fumo de cogumelo. Viagem a Ixtlan¸ apesar de recontar muitas experiências no deserto anteriores à sua introdução ao peiote, datura e o cogumelo, lida com o segundo estágio: .ver. sem as drogas.
A dificuldade, diz Castaneda, .está em aprender a perceber com todo seu corpo, e não apenas com seus olhos e a razão. O mundo se torna uma correnteza de eventos tremendamente rápidos e únicos. Então você deve preparar seu corpo para fazê-lo um bom receptor; o corpo é consciente, e deve ser tratado impecavelmente.. Mais fácil dizer do que fazer. Parte do treino exige uma sintonia concentra, detalhada, e mesmo religiosa, com o sentido do deserto, com seus animais e pássaros, sons e sombras, com as mudanças de seus ventos, e os locais onde um xamã pode confrontar suas entidades espirituais: pontos de poder, buracos ou abrigos. Quando Castaneda descreve seu aprendizado como caçador e colhedor de plantas, aprendendo sobre as propriedades das ervas e as ciladas para coelhos, a narrativa é absorvente. Don Juan e o deserto o tornam apto, esporadicamente e sem drogas, a .ver. ou, nas palavras de um yaqui, .parar o mundo.. Mas tal estado de interpretação da experiência livre confunde a descrição mesmo para aqueles que acreditam que Castaneda fala sinceramente.
SÁBIOS. Nem todo mundo pode, faz ou quer. Mas em alguns locais o trabalho de Castaneda é admirado extravagantemente como uma revivificação de um modo de cognição que foi bastante negligenciado pelo Ocidente, soterrado pelo materialismo e pelo desespero de Pascal, desde a Renascença. Mike Murphy, fundador do Instituto Esalen diz: .O essencial das lições que Don Juan tem a ensinar são aquelas lições eternas, que foram ensinadas pelos grandes sábios da Índia e os mestres espirituais da modernidade.. O autor Alan Watts argumenta que os livros de Castaneda oferecem uma alternativa tanto para o judaico-cristianismo cheio de culpa quanto para os pontos de vista cego dos homens mecanicistas: .O estilo de Don Juan leva o homem para algo central e importante. Não nos separar da natureza nos põe de volta a uma posição de dignidade..
Mas estes reconhecimentos e analogias não validam, de forma alguma, a proclamação mais mundial da importância dos livros de Castaneda: a sutileza de que são a consideração antropológica, específica e confiável de um aspecto da cultura indígena do México como mostradas pela fala de uma pessoa, um xamã chamado Juan Matus. Esta prova depende da credibilidade de Don Juan como criatura e Castaneda como testemunha. Ainda que não haja corrobação, além dos escritos de Castaneda, de que Don Juan tenha feito o que ele disse que fez, e mesmo que tenha, afinal de contas, existido.
Desde que os Ensinamentos apareceram, candidatos a discípulos e turistas da contracultura têm viajado para o México atrás do velho homem. Alguém poderia esperar a Primeira Convenção dos Procuradores de Don Juan no QG do Bar dos Brujos do Hotel Mescalito. Jovens mexicanos estão animados com o fato de que os livros de Castaneda sequer podem ser lançados lá em tradução espanhola. Um estudante mexicano que está procurando por conta própria Don Juan disse: .Se os livros forem lançados, a busca por ele pode se tornar facilmente o estouro de uma corrida para o ouro..
Castaneda afirma que seu mestre nasceu em 1891 e sofreu com a dispersão dos yaquis por todo o México desde a década de 1890 até a revolução de 1910. Seus pais foram mortos por soldados. Ele então se tornou nômade. Isto ajuda a explicar porque os elementos da feitiçaria de Don Juan são combinações de crenças xamanísticas de diferentes culturas. Alguns deles não são, de forma alguma, representativos da cultura yaqui. Muitas tribos indígenas, como os huichols, usam o peiote ritualmente, tanto ao norte quanto ao sul da fronteira . algumas numa mistura sincrética do Cristianismo e do xamanismo. Mas os yaquis não são usuários de peiote.
Don Juan, portanto, pode se tornar difícil de encontrar, porque sabiamente se afasta de seus admiradores inconvenientes. Ou talvez seja um índio mestiço, uma colagem de outros. Ou pode ser um xamã puramente fictício criado por Castaneda.
As opiniões divergem larga e apaixonadamente, mesmo entre os admiradores mais profundos dos escritos de Castaneda. .É possível que todos esses livros sejam não-fictícios?., pergunta o romancista Joyce Carol Oates candidamente. .Eles me parecem excelentes trabalhos de arte num tema parecido com o de Hesse, da iniciação de um jovem em "outros modos" de realidade. Eles são admiravelmente construídos. O personagem de Don Juan é inesquecível. Existe uma motivação novelística, crescente, repleta de suspense, e uma gradual revelação do personagem..
GULLIVER. É verdade, a leitura dos livros de Castaneda é como um Bildungsroman altamente orquestrado. Mas os antropólogos se preocupam menos com a excelência literária do que com a ilusão do xamanismo, assim como com a sua aparente desconexão com os yaquis. .Eu acredito basicamente que o trabalho tem um alto grau de imaginação., diz Jesus Ochoa, chefe do museu de etnografia do Museu Nacional de Antropologia do México. O Dr. Francis Hsu da Universidade do Noroeste repreende: .Castaneda é uma nova moda. Eu gostei dos livros da mesma maneira que das viagens de Gulliver.. Mas os colegas veteranos de Castaneda na UCLA, que deram o PHD por Ixtlan ao seu antigo estudante, discordam: Castaneda, como um professor colocou, é um .gênio nato., para o qual a rotina oficial e o lenga-lenga burocrático são desconsiderados; sua confiabilidade como testemunha não é posta em questão.
De qualquer forma, no mínimo é óbvio que .Don Juan Matus. é um pseudônimo usado para proteger a privacidade de seu professor. A necessidade de ser inacessível e esquivo é um tema central dos livros. Mais de uma vez Don Juan encoraja Castaneda a segui-lo e livrar-se não apenas das rotinas diárias, com sua percepção estúpida, mas também do próprio passado. .Ninguém sabe minha experiência pessoal., explica o velho homem em Ixtlan. .Ninguém sabe quem eu sou ou o que faço. Não apenas eu... ou nós tomamos tudo como certo e real, ou não. Se seguirmos o primeiro caminho, nos entediamos até a morte conosco mesmos e com o mundo. Se seguirmos o segundo e apagarmos a história pessoal, criamos uma névoa em torno de nós, um estado muito misterioso e excitante..
Desafortunadamente para qualquer um que esteja ansioso para ter garantias acerca da vida de Castaneda, o aprendiz de Don Juan tomou a lição muito cuidadosamente. Depois que os Ensinamentos tornaram-se um bestseller underground, muito se supôs que seu autor era o El Freako da Academia do Ácido, adornado com peles e olhos de pebolim, e com seu cérebro sendo um labirinto corroído iluminado por misteriosos alcalóides, viajando sobre o deserto com um corvo em sua cabeça. Mas Castaneda significa bosque de castanhas, e o homem se parece pouco com uma castanha: um robusto e cortês latino-americano, de 1.65 de altura e 68kg e aparentemente encorpado por vitaminas. O cabelo escuro e crespo é cortado curto, e os olhos brilham umedecidos e atenciosos. No vestuário, Castaneda é tradicional a ponto de passar desapercebido, cobrindo-se ou com paletós de negócios escuros ou com calças Lee esportiva do tipo Trevino. Seu adorno são as palavras, que escorrem dele num fluxo incessante, auto-irônico e fascinante. .Oh, eu sou um mentiroso!., ele gargalha, abrindo suas mãos calosas e curtas. .Oh, como eu gosto de espalhar besteira por aí!..
NÉVOA. Castaneda diz que não fuma e não bebe destilados; não usa maconha; e mesmo café o desagrada. Diz que não usa mais peiote, e sua a única experiência com drogas foi aquela com Don Juan. Seu encontro com a cultura do ácido foi improdutivo. Convidado em 1964 para uma festa em East Village em que estavam presentes luminares como Timothy Leary, ele simplesmente achou o papo absurdo: .Havia crianças entregues a revelações incoerentes. Um feiticeiro toma alucinógenos por uma razão distinta da cabeça, e após chegar onde queria, ele para de tomá-los..
A apresentação de si mesmo de Castaneda como Sr. Certinho, deve-se notar, não podia ser melhor planejada para contrariar aqueles que buscam saber sua história pessoal. O que, de fato, está por trás de tudo? O Castaneda .histórico., antropólogo e aprendiz de xamã, começa quando ele encontra Don Juan em 1960; os livros e sua carreira bem documentada na UCLA contam na sua vida a partir essa data. Antes disso, a névoa.
Estando durante muitas horas com Castaneda em algumas semanas, a correspondente da TIME, Sandra Burton, o achou atraente, solícito e convincente . até um certo ponto . mas bastante firme em avisar que ao falar de sua vida pré-Don Juan, poderia trocar nomes, lugares e datas sem, entretanto, alterar a verdade emocional sobre sua vida. .Eu não menti nem inventei., disse a ela. .Inventar seria voltar atrás e não dizer nada ou dar as certezas que todos buscam.. À medida que a conversa prosseguia, Castaneda mostrou várias versões de sua vida, que continuaram mudando quando Burton mostrou a ele o fato de que muitas de suas informações não batiam, emocionalmente ou de qualquer outra forma.
De acordo com ele, Castaneda não é seu nome original. Ele nasceu anonimamente, disse, numa .bastante conhecida. família de São Paulo, no dia de Natal, em 1935. Seu pai, que depois se tornou um professor de literatura, tinha 17 anos, e sua mãe 15. Como seus pais eram tão imaturos, o pequeno Carlos foi encaixado para ser criado pelos avós maternos numa granja de galinhas no interior do Brasil.
Quando Carlos tinha seis anos, a história continua, seus pais tomaram a criança de volta, e o trataram com uma afetuosidade cheia de culpa.. .Foi um ano infernal., ele diz sem rodeios, .porque eu estava vivendo com duas crianças.. Mas um ano depois sua mãe morreu. O diagnóstico médico foi de pneumonia, mas os Castanedas eram indolentes, uma condição de indolência adormecida, que ele acredita ser a doença cultural do Ocidente. Ele fala de uma lembrança emocionante: .Ela era morosa, muito bonita e insatisfeita, um ornamento. Meu desespero era que eu queria fazer alguma coisa por ela, mas como ela podia me ouvir? Eu tinha apenas seis anos...
Castaneda foi então deixado com seu pai, uma figura imprecisa que ele cita nos livros com um misto de ternura e piedade disfarçando o desprezo. A fraqueza de vontade de seu pai é o contrário da .impecabilidade. de seu pai adotivo, Don Juan. Castaneda descreve os esforços do seu pai de tornar-se um escritor como uma farsa de indecisão. Mas acrescenta: .Eu sou meu pai. Antes de encontrar Don Juan, passaria anos apontando meus lápis, e então pegaria uma dor de cabeça cada vez que sentasse para escrever. Don Juan me ensinou que isso é estúpido. Se você quer fazer uma coisa, faça impecavelmente. Isto é tudo que importa...
Castaneda foi posto numa .muito apropriada. escola de Buenos Aires, Nicolas Avellaneda. Ele conta que permaneceu lá até fazer 15 anos, aprendendo o espanhol (ele também fala italiano e português) com o qual posteriormente entrevistaria Don Juan. Mas ele tornou-se tão incontrolável que um tio, o patriarca da família, o colocou numa família adotiva em Los Angeles. Em 1951 mudou-se para os EUA e se alistou no segundo grau de Hollywood. Formando-se cerca de dois anos depois, tentou cursar escultura na Academia de Belas Artes de Milão, mas .Eu não tinha a sensibilidade ou abertura de espírito para me tornar um grande artista.. Deprimido, em crise, ele voltou para Los Angeles e começou um curso de psicologia social na UCLA, se transferindo depois para o curso de antropologia. Ele diz: .Eu realmente lancei minha vida através da janela. Disse a mim mesmo: se algo deve funcionar, deve ser algo novo.. Em 1959 mudou seu nome oficialmente para Castaneda.
BIOGRAFIA. Esta é a autobiografia de Castaneda. Ela cria uma consistência elegante . o impetuoso jovem mudando de seu pano de fundo acadêmico numa cultura européia exausta e provinciana para a revitalização através de um xamã; o gesto de abandonar o passado para desembaraçar-se de lembranças debilitantes. Infelizmente, nada disso é verdade.
Entre 1955 e 1959 Castaneda estava cadastrado, com esse nome, com uma especialização pré-psicologia no Colégio da Cidade de Los Angeles. Seus estudos nas artes liberais incluem, em seus primeiros dois anos, dois cursos em escrita criativa e um em jornalismo. Vernon King, seu professor em psicologia criativa no CCLA, ainda tem uma cópia dos Ensinamentos com a dedicatória .Para um grande professor, Vernon King, de um de seus estudantes, Carlos Castaneda..
Mais do que isso, registros de imigração mostram que Carlos Cesar Arana Castaneda realmente entrou nos EUA, em São Francisco, no ano que diz que entrou, em 1951. Este Castaneda também tinha 1.65m e pesava 64 kilos e veio da América Latina. Mas ele era peruano, nascido no dia de natal, em 1925, na antiga cidade inca de Cajamarca, o que faz com que ele tenha 48 anos, e não 38, neste ano. Seu pai não era um acadêmico, mas um ourives e relojoeiro chamado Cesar Arana Burungaray. Sua mãe, Susana Castaneda Navoa, morreu quando Carlos tinha 24, e não seis anos. Seu filho passou três anos no ensino médio na escola local e então se mudou para Lima em 1948, quando se formou no Colegio Nacional de Nuestra Senora de Guadalupe. Então estudou escultura e pintura não em Milão, mas na Escola de Belas Artes de Peru. Um de seus colegas ali, Jose Bracamonte, se lembra do seu amigo Carlos como alguém esperto e cheio de recursos, que vivia basicamente de jogos de azar (cartas, jóquei, dados) e guardava com obsessão o desejo de mudar-se para os EUA. .Nós todos gostávamos de Carlos., lembra Brecamonte, .ele era brilhante, imaginativo, animado . um grande mentiroso e um verdadeiro amigo..
IRMÃ. Castaneda escrevia para casa esporadicamente, pelo menos até 1969, o ano em que Don Juan veio à tona. Sua prima Lucy Chavez, que foi criada com ele .como uma irmã., ainda guarda suas cartas. Elas indicam que ele lutou no exército norte-americano, e o deixou após sofrer um ferimento leve ou .choque nervoso.. Lucy não tem certeza sobre isso. ( O Departamento de Defesa, entretanto, não tem nenhum registro do serviço de Carlos Arana Castaneda).
Quando a TIME confrontou Castaneda com estes detalhes como o período e a transposição da morte de sua mãe, Castaneda ficou opaco. .Os sentimentos de alguém sobre sua mãe., declarou, .não dependem da biologia ou do tempo. Parentesco como sistema não tem nada a ver com sentimentos.. A prima Lucy lembra quando a mãe de Castaneda morreu, ele ficou estupefato. Recusou-se a comparecer no funeral, trancando-se num quarto por três dias sem comer. E quando saiu anunciou que estava saindo de casa. Apesar disso a explicação de Castaneda sobre suas mentiras é ao mesmo tempo perfeita e totalmente esquiva: .Me pede para confirmar minha vida dando-me minhas estatísticas., diz, .é como usar ciência para validar feitiçaria. Rouba do mundo sua mágica e faz a todos nós nos afastarmos do ponto.. Em resumo, a programação de Castaneda pretende um absoluto controle sobre sua identidade.
Muito bem. Mas onde uma licença poética, a .auto-representação artística. que o programa de Castaneda pretende, termina? Enquanto os livros vendem-se aos montes, a resistência aumenta. Três paródias de Castaneda apareceram nas revistas de Nova York, e depois papers indicando que a crítica prepara-se para taxar Don Juan como uma espécie de Ossian antropológico, aquele lendário poeta gaélico do terceiro século cujos trabalhos James Macpherson fraudou no século XVIII para os leitores britânicos.
Os fãs de Castaneda não devem assustar-se, no entanto. Uma estranha justifica pode ser dada afirmando-se que os livros sobre Don Juan estão num nível diferente de honestidade do que o passado pré-Don Juan de Castaneda. Por exemplo, qual é o motivo de um erudito acadêmico trazê-lo à tona? Os Ensinamentos foram submetidos a uma editora universitária e surpreendentemente projetou-se para o sucesso de vendas. Além disso, ganhar um grau acadêmico da UCLA não é algo tão difícil para que um candidato empregue uma confabulação tão vasta apenas para evitar a pesquisa. Uma pequena fraude, talvez, mas não um sistema inteiro à maneira dos Ensinamentos, escrito por um estudante desconhecido, a princípio, sem esperanças de sucesso comercial.
Porque esta era a situação de Castaneda no verão de 1960: um jovem estudante peruano com ambições limitadas. Não há motivos para dúvidas de seu testemunho de como seu trabalho começou. .Eu queria entrar na graduação e fazer um bom trabalho para ser um acadêmico e sabia que se tivesse oportunidade de publicar um paper pequeno precocemente, eu o faria.. Um de seus professores na UCLA, Clement Meighan, o influenciou a interessar por xamanismo. Castaneda decidiu que o campo mais fácil seria etnobotânica, a classificação das plantas psicotrópicas usadas pelos feiticeiros. Então apareceu Don Juan.
As visitas para o sudoeste e o deserto Mexicano gradualmente se tornaram a espinha dorsal da vida de Castaneda. Impressionado com seu trabalho, o grupo da UCLA encorajou-o. O professor Meighan lembra: .Carlos era o tipo de estudante que um professor espera.. O professor de sociologia Harold Garfinkel, um dos pais da etnometodologia, deu a Castaneda estímulos constantes e duras críticas. Depois da primeira experiência com peiote (Agosto de 1961), Castaneda apresentou a ele uma longa .análise. de suas visões. .Garfinkel disse: `Não explique para mim. Você não é ninguém. Apenas me fale diretamente e em detalhes o jeito que aconteceu`. A riqueza de detalhes era tudo na parceria. O perplexo estudante passou anos revisando sua tese, vivendo de trabalhos estranhos como motorista de táxi e garoto de entregas, e mandou para ele novamente. Garfinkel continuou sem se impressionar. .Ele não gostou do meu esforço para explicar o comportamento de Don Juan psicologicamente. .Você quer ser o queridinho em Esalen?., perguntou.. Castaneda reescreveu a tese pela terceira vez.
Assim como as várias versões da vida de Castaneda, os livros eram um convite para a consideração de visões contraditórias da verdade. No centro de seus livros e do método de Don Juan estava, é claro, a hipótese de que a realidade não é algo absoluto. Ela vem para cada um de nós culturalmente determinada, altamente pré-concebida. .O mundo se torna coerente pela nossa descrição dele., argumenta Castaneda, repetindo Don Juan. .Desde o momento do nascimento, o mundo está sendo descrito para nós. O que nós vemos é apenas uma descrição..
MULTIUNIVERSO. Em resumo, o que o homem toma como realidade, assim como suas noções das possibilidades racionais do mundo, é determinado pelo consenso, por um contrato social que varia de cultura para cultura. Através da história, a coisas tem sido dura para qualquer pessoa que questionar sua larga reprodução, especialmente se, como Castaneda, tenta persuadir os outros a aceitar sua própria visão.
Antropologia, por sua natureza, lida com diferentes visões, e, portanto, com realidades literalmente diferentes, em diferentes culturas. Como nota Edmund Carpenter, colega de Castaneda no Colégio Adelphi nota, .Nativos tem muitas realidades diferentes. Eles acreditam num multiuniverso, ou biuniverso, mas não num universo como nós acreditamos..Ainda que esse relativismo erudito seja indigesto para muitas pessoas que gostam de assegurar-se que existe apenas um mundo e que a .validade. de interpretação de uma cultura deve ser medida apenas contra essa norma. Qualquer mito, eles diriam, pode convenientemente ser visto como uma forma embrionária do que o Ocidente chama de história linear, uma dança da chuva é apenas um meio .ineficiente. de fazer o que um semeador de nuvens faz bem.
Os livros de Castaneda insistem em uma outra forma. Ele é eloqüente e convincente em explicar como é inútil explicar ou julgar outra cultura nos termos das categorias particulares de sua própria. .Suponhamos que haja um antropólogo Navajo., ele diz, .Seria muito interessante convidá-lo a estudar-nos. Ele poderia perguntar questões extraordinárias, como .quantos no seu grupo de parentesco foram enfeitiçados?. Esta é uma questão tremendamente importante nos termos dos Navajos. E é claro, você diria `Eu não sei` e pensaria `que questão idiota`. Enquanto isso, o Navajo está pensando `Meu deus, que ser rastejante! Rastejante e primitivo!...
Inverta os papéis, argumenta Castaneda e você tem o típico antropólogo ocidental no trabalho de campo. .é infernal a quantidade de trabalho., ele diz, referindo-se aos anos passados junto com Don Juan. .O que Don Juan fez comigo foi simples assim: ele estava fazendo seu grupo de feiticeiros disponível, preparando os passos necessários.. O Professor Michael Harne da Nova Escola de Pesquisa Social, amigo de Castaneda e uma autoridade em xamanismo, explica: .A maior parte dos antropólogos apenas fornece os resultados. Ao invés de sintetizar as entrevistas, Castaneda nos leva através do processo..
Não são esses anos de estudos, mas sim a natureza da revelação que ele oferece que deixou Castaneda em apuro com os racionalistas. Para entrar no consenso sobre a realidade de outro homem, o seu próprio deve cair, e como ninguém pode abandonar facilmente sua própria descrição habitual, ela deve forçosamente ser quebrada. Os precedentes históricos, mesmo no Ocidente, são abundantes. Mesmo desde o mistério das religiões de êxtase da Grécia, nossa cultura tem sido continuamente desafiada pelo desejo de escapar de suas próprias propriedades dominantes: o linear, o categórico, o fixo.
O que quer que Castaneda seja - uma figura central na evolução da antropologia, como pensam alguns líderes acadêmicos ou apenas um novelista brilhante com conhecimento único do deserto e da sabedoria indígena, seus trabalhos devem ser considerados. E eles continuam. Neste momento, ele está terminando o quarto e último volume da série de Don Juan, Contos de Poder (4), programado para lançamento no próximo ano.
.PONTO DO PODER.. Ele pode apresentar, mais claramente do que nos primeiros três livros, o objetivo final dos dolorosos ensinamentos de Don Juan: um uso especial do antigo desejo de conhecer, apaziguar e, se possível, usar as misteriosas forças do universo. Neste propósito, a divisão do átomo, o pecado de Prometeu e a busca de Castaneda pelo .ponto do poder. perto de Los Angeles, tudo pode ser remotamente ligado. Um bom exemplo da mágica de Don Juan nos livros (fazendo Carlos acreditar que seu carro havia sumido, naquele momento) soa como a trapaça da corda do faquir que os gurus pensam ser estúpida. De todo modo, também, os livros comunicam um sentido primordial de um poder percorrendo o mundo, arrumando nossas percepções da realidade assim como fios de ferro sob um grande campo magnético.
O poder de um feiticeiro, Castaneda insiste, é .inimaginável., mas a extensão que um aprendiz de feiticeiro pode esperar usar é determinada, entre outras coisas, pelo seu grau de compromisso. O uso total do poder só pode ser conseguido com a ajuda de um .aliado., uma entidade espiritual que anexa-se ao aprendiz como um guia . de uma maneira perigosa. O aliado desafia o aprendiz quando este aprende a .ver., como Castaneda fez nos primeiros livros. O aprendiz pode se esquivar desta batalha. Porque se ele brigar com o aliado . como Jacó com o anjo . e perder, ele vai, nos termos ligeiramente obscuros de Don Juan, ser .sugado.. Mas se ganhar, seu prêmio será o .verdadeiro poder de entrar finalmente no mundo dos feiticeiros, quando todas as interpretações cessam..
Castaneda alega ter se esquivado até agora sua batalha final com um aliado. Ele admite enfrentar um conflito interno nesse assunto. Diz que às vezes se sente fortemente puxado para longe do mundo dos feiticeiros e de volta com o mundo ordinário. Ele tem uma desejo real de ser reconhecido como escritor e antropólogo, e usar seu recém adquirido poder da fama em publicar um livro atrás do outro para lançar luzes comunicáveis sobre outras realidades para os leitores famintos.
ÁPICE. Mais do que isso, como as maiores partes dos que experimentaram realidades diferentes e voltaram, ele parece ter problemas em voltar. De acordo com os livros, Don Juan o ensinou a abandonar os horários regulares . para trabalho e diversão . e mesmo em seu apartamento em Los Angeles ele como e dorme quando dá na telha, ou foge para o deserto. Mas seu trabalho de escritor é freqüente e ocupa cerca de 18 horas por dia. Ele tem grande habilidade em evitar o público. Ninguém pode saber onde encontrá-lo a uma determinada hora do dia, ou do ano. .Carlos irá ligar para você de uma cabine telefônica., diz Michael Korda, seu editor na Simon & Schuster .e dizer que está em Los Angeles. E então o operador vai cortar a ligação para cobrar mais, e ele se move e está em Yuma.. Seus poucos amigos próximos não dão um basta à sua inconstância porque são assistentes, mas em parte porque sua própria experiência é misteriosa e eles não sabem explicá-la. Ele teve uma namorada mas nem mesmo seus amigos sabem seu sobrenome. Ele evita fotógrafos como a anunciadores de um desastre. .Eu vivo com este fluxo de pessoas muito estranhas que estão esperando uma palavra de mim. Elas esperam algo que eu não posso dar de forma alguma. Eu tive uma classe de alunos em Irvine que era bastante cheia, e parecia que eles estavam apenas esperando que eu explodisse..
Em outros momentos ele parece decidido em se tornar um verdadeiro feiticeiro ou ser derrotado. .O poder cuida de você., diz, .e você não sabe como. Agora eu estou na borda, e mudei todo minha forma. Escrever para ganhar o PhD foi meu feito, minha feitiçaria e agora estou no ápice de um círculo que inclui notoriedade. Mas esta é a última coisa que eu vou escrever sobre Don Juan. Agora eu me tornarei um feiticeiro de verdade. Apenas minha morte pode impedir isto.. É uma função romântica, esta gesticulação antropológica através de uma toca de entidades que, em outro tempo, poderiam serem chamadas de demônios. Será que Castaneda se tornará o Doutor Fausto de Malibu, atendido por um Mefistófeles de sombreiro? Fique ligado no próximo episódio. Enquanto isto, seus livros tornaram difícil para os leitores usar o termo primitivo com um ar condescendente de novo.
Notas
(1)No Brasil A Erva do Diabo. (N do T)(2) Talvez Uma Outra Realidade ou Uma Realidade Diferente sejam soluções mais adequadas para o título.(N do T)(3) Nos Estados Unidos, a publicação do livro por vezes se divide em paperback e hardback. (N do T)(4) No Brasil, Porta Para o Infinito.(N do T)
Revista Veja:
Entrevista com Carlos Castaneda publicada em 1975 Fonte: Revista Veja nº356 -1975
Nota: Um pouco depois da maliciosa publicação da matéria da revista Time - que desmentia Castaneda num momento em que este tornava-se notório e atingia o centro dos debates afirmando, baseada em obscuros documentos levantados, ser o autor peruano de Cajamarca, e não brasileiro, Castaneda concedeu esta entrevista à Revista Veja. A condição sine qua non para isso foi de que a entrevista deveria sair primeiro no Brasil. O rapaz que fez o free-lancer para a Veja, uma espécie de TIME brasileira, pôde então atestar que Castaneda falava perfeitamente português, com sotaque regional. Castaneda forneceu à revista negativos (fotos) que fez durante suas viagens ao México - provas documentais de seu trabalho antropológico e pesquisa de campo. Infelizmente a Veja optou por não polemizar, e colocou no sub-título não que Castaneda era brasileiro, mas sim que era um "homem só e sem pátria". Após esta entrevista, Castaneda ficou cerca de 10 anos sem falar com a imprensa.
o bruxo, homem só e sem pátria
Após quinze anos de lições, o brasileiro, talvez peruano ou americano, aprendeu a não ter biografia nem raízes.
Desde que começou a relatar em livros seus encontros com Don Juan, que remontam a 1960, Carlos César Arana Castaneda transformou-se na mais invisível e impalpável personalidade literária da atualidade. Fragmentos incompletos de sua biografia apareceram nas duas únicas publicações a que concedeu entrevista, as revistas Time e Psychology Today, não se deixou fotografar nos últimos dez anos e não se preocupou em esclarecer algumas dúvidas cruciais. Assim, ele teria nascido no interior de São Paulo, no dia de natal de 1935, segundo disse ao Time. Mas, de acordo com a revista, o nascimento de deu dez anos antes numa cidade do Peru. Comunicado desta descoberta, Castaneda reagiu de maneira impecável para um aprendiz de feiticeiro que aspira apagar sua identidade pessoal: "Estas estatísticas não significam nada. Importante o que nós somos, não o que éramos". Assim, com essa nacionalidade incerta e com uma idade que caminharia para os 40 ou 50 anos, embora certamente aparentasse menos, os únicos sinais da existência terrestre de Castaneda eram um Volkswagen e duas casas de sua propriedade, na Califórnia. No começo do ano passado, o estudante brasileiro Luiz André Kossobudzki, então bolsista de educação na Universidade da Califórnia (UCLA), encontrou-o num jantar beneficiente ao lado de personalidades literárias "normais", como Irving Stone e Irving Wallace. Quinze meses depois, no fim de março último, recebeu de Castaneda os negativos das fotos que o autor tirara no México, e que VEJA publica junto com esta entrevista exclusiva, à qual o entrevistado impôs a condição de que deveria ser publicada no Brasil antes de qualquer outro país. Kossobudzki recorda os seus encontros: "Eu, minha mulher e mais quatro casais de bolsistas estrangeiros éramos talvez os únicos convidados ao jantar que não tínhamos os nomes gravados em alguma placa de honra. Tentamos, sem conseguir, um lugar na mesa de Castaneda, mas depois do jantar ele mesmo veio até nós. Disse-lhe logo que não acreditava ser ele brasileiro. Começamos a falar em inglês, mas logo depois ele se dirigiu até nós com lusitana fluência (inclusive sotaque) e afirmou ter nascido no interior do estado de São Paulo, numa cidade do vale do Paraíba, e que passara parte de sua infância em Juqueri* .Combinamos então nos encontrar novamente para uma feijoada, mas Castaneda desapareceu por vários meses. Um telefonema do seu agente literário informou que ele ainda estava interessado em me ver. Finalmente, conversamos três vezes, uma na minha casa e outras duas no campus da UCLA, onde ele trabalha de catorze a dezoito horas diariamente, em suas pesquisas sobre ético-hermenêutica (estudos da interpretação perceptiva de diferentes grupos étnicos). Castaneda aparenta ter 35 anos, 1,70 metros de altura e uns 70 quilos. Fisicamente, passaria por caboclo mato-grossense ou mesmo nordestino". *Não existe nenhum município paulista com esse nome. Juqueri, no entanto, é o nome de um estabelecimento para doentes mentais no município de Franco da Rocha, na Grande São Paulo, que costuma ser confundido com o nome do hospital. Juquiri é o nome antigo do município de Mairiporã, também na Grande São Paulo.
Aprendendo a viver com a bruxaria
VEJA - Quando se lê sobre Don Juan, tem-se a impressão que ele é um homem pobre e com um vasto conhecimento da vida. O senhor poderia falar de sua surpresa ao encontrá-lo de terno em "Porta para o Infinito"? CASTANEDA - Tremi de medo, pois estava acostumado a vê-lo somente em roupas de campo. Isto ocorreu na fase final dos ensinamentos e tinha uma razão de ser. Don Juan revelou-me que era proprietário de diversas ações na Bolsa de Valores, e tenho quase certeza que se ele fosse um homem tipicamente ocidental estaria vivendo em um apartamento de cobertura no centro de Nova York. Finalmente aprendi que as duas realidades poderiam ser dividas no que Don Juan denominava tonal (consciente) e nagual (que não se fala). Na realidade do consenso social, o bruxo, o homem de conhecimento, é um perfeito "tonal" - um homem do seu tempo, atual, que usa o mundo da melhor forma possível. Nós usamos história como uma forma de recapturar o mundo passado e planejar para o futuro. Para o bruxo, passado é passado e não existe história pessoal nem coletiva. VEJA - O principal de seu encontro com Don Juan está escrito no livro "The teachings of Don Juan"(na versão brasileira, a Erva do Diabo"), mas em lugar nenhum existe menção de exatamente onde estiveram. Seria possível uma descrição mais detalhada do local? CASTANEDA - Na fronteira entre os Estados da Califórnia (Estados Unidos) e Sonora (México) existe uma cidade chamada Nogales. Partindo de Nogales, a rodovia principal passa pela cidade de Hermosillo, capital de Sonora, pela cidade de Guayamas e finalmente cruza a Estácion de Vicam. A oeste da Estação de Vicam, em direção ao Pacífico, encontra-se a cidade de Vicam, habitada em sua maioria por índios yaquis. Vicam é o local onde pela primeira vez encontrei Don Juan. Perto de lá obtive os ensinamentos. VEJA - Para não tirar a liberdade de Don Juan, até hoje o senhor não havia revelado este local. Como agora se sente livre en descrevê-lo com exatidão? CASTANEDA - Porque agora ninguém conseguiria achar Don Juan; ele não está mais por lá, e Don Genaro também sumiu das montanhas do México Central (Sierra Madre Ocidental). Não existe jeito nenhum de encontrá-los. Don Juan me mostrou e ensinou tudo o que ele podia e por isso não há necessidade de que ele permaneça à minha disposição. Da mesma forma, você sabe que se quiser me encontrar é só ir até a UCLA, deixar um recado ou me procurar na biblioteca de pesquisas. Mas, se eu deixar de vir à UCLA, você não terá a miníma idéia de onde me encontrar. Como Don Juan, procuro viver como feiticeiro. VEJA - Muitas pessoas, eu inclusive, encontram dificuldades em aceitar factualmente as descrições dos ensinamentos de Don Juan. O senhor se preocupa com o fato de as pessoas reagirem dessa forma? CASTANEDA - Não, porque não dou ênfase na importância de minha pessoa. este é um ponto crucial dos ensinamentos que recebi de Don Juan. Raramente converso com alguém, e quando converso é face a face. Nada de gravadores ou fotografias, que trariam peso sobre a minha pessoa. Além de ferir uma das premissas básicas de feitiçaria e bruxaria, eu estaria tolhendo minha própria liberdade. Quando enfatizo a minha pessoa, estou me tachando a mim mesmo, estou colocando nas minhas costas um peso que vai além das minhas possibilidades de carregá-lo. Colocar tal peso nas costas é dar uma enorme importância à minha própria pessoa. Durante os ensinamentos, Don Juan fazia esboços na areia do deserto com o dedão do pé e preenchia os círculos com verbosidade. Ele dizia que "cargase a uno mismo" conduz a pessoa a um senso "importância personal" que combinados não permitem "acciones" por parte da pessoa. Quanto mais peso as pessoas acumulam, mais importantes elas se sentem, e menos ações elas executam. VEJA - Por que então publicou seus livros? CASTANEDA - Porque esta era a minha tarefa. O bruxo cumpre tarefas que são colocadas em lugar do peso sobre si mesmo e da importância pessoal. Meu trabalho não é feito de erudição, mas uma recoleção da vida que Don Juan colocou em seus ensinamentos. O bruxo cumpre as tarefas que lhe dão satisfação. Ele as cumpre sem esperar por reconhecimento da sociedade ou coisa que o valha, o que seria o "carregar-se a si mesmo" exercitado pelo erudito, com o objetivo de obter importância pessoal, o que não é meu caso. Por exemplo, se esta entrevista for tomada como um ato de bruxaria, ela se torna uma tarefa a ser cumprida. VEJA - Esta entrevista, seu trabalho, sua obra, e mesmo o fato de trocarmos idéias por várias horas, tem um efeito que me parece ir além do simples cumprimento de tarefas. Elas lhe trazem satisfação, caso contrário não as faria. Além do mais, o senhor espera que sua mensagem, os ensinamentos de Don Juan, tenham um impacto sobre público. Não seria este o caso de cumprir tarefas e esperar pelo reconhecimento da sociedade? CASTANEDA - Eu cumpro minhas tarefas tão fluidamente que elas não me afetam em termos de auto-importância, mas sim em termos de como vivo minha vida. Conheço dúzias de "professores" que se colocam numa torre de marfim de conhecimento: eles sabem tudo, e comandam o espetáculo para as galerias; quanto mais aclamados, ou quanto mais reconhecimento eles recebem, mais auto-importantes se sentem, mas esta mesma auto-importância se torna peso, a cruz a ser carregada, e eles como pessoas não são nada. O trabalho as afeta em termos de auto-importãncia, mas não em termos de vida pessoal. A mim o trabalho afeta em termos de vida pessoal, mas não de auto-importância. Don Juan me alertou e aconselhou que nunca me tornasse um pavão, "pavo real", que é o resultado à ênfase da importância pessoal. Quanto menos a pessoa pensa e "pseudo-age" em termos de auto-importância ela se torna mais completa. E quanto mais auto-importante se sente, mais incompleta se torna. O ser incompleto nasce da incessante procura por reconhecimento social. VEJA - Mas se a pessoa age, não estaria automaticamente à procura de auto-reconhecimento? CASTANEDA - Não, se estiver agindo como um bruxo. O bruxo vive a vida por si e para si e não para as galerias. Ele não se deixa influenciar pelas reações de consenso social, pois não age em termos de auto-importância. Ele sabe "parar o mundo", ou melhor, ele tem a capacidade de "não fazer".
O "mundo parado", por um passe de mágica .
VEJA - E que significa "fazer, "não fazer" e "parar o mundo"? CASTANEDA - O objetivo final do bruxo é se tornar um "homem de conhecimento, mas antes ele tem que aprender a viver como um guerreiro-pirata. Ele tem que ser um impecável caçador à procura de coragem e disciplina. O guerreiro-pirata age por si mesmo, e assume a responsabilidade por suas ações. No processo de me tornar guerreiro-pirata eu encontrei poder pessoal, isto é, o poder da coragem e disciplina. Don Juan me ensinou a enxergar, ver o mundo ao invés de simplesmente olhar. Ele ensinou-me a interpretar o mundo não pelo que se apresenta na superfície, mas pela essência. Porém, antes poder enxergar e interpretar o mundo como um guerreiro-pirata, como um bruxo, tive que aprender como "não fazer", como "parar o mundo". Como você pode notar, é quase que uma taxinomia de tarefas. Para se ter o entendimento de "não fazer" é necessário explicar o significado de "fazer". "Fazer" é o consenso que torna o mundo existente. O mundo da nossa realidade é realidade porque estamos envolvidos no "fazer" dessa realidade. As pessoas nascem com uma auréola de força, poder, que se desenvolve e se entrelaça com o consenso dominante. As pessoas olham o mundo da forma como lhe foi ditada, com os olhos do consenso dominante. Por outro lado, "não fazer" é possível quando uma auréola extra de poder se desenvolve para formar a existência da realidade de um outro mundo. O guerreiro-pirata não escapa do "fazer" do mundo, mas luta dentro desta realidade, a realidade do consenso dominante. o que o auxilia na criação da auréola extra de poder. O ato de "não fazer" conduz ao "parar o mundo", que é o primeiro passo para "enxergar". O mundo da realidade ordinária, do dia-a-dia, nos parece do jeito que é por causa do consenso social. "Parar o mundo" significa interromper a corrente comum de interpretação do mundo, do consenso dominante, ou em outras palavras, parar o consenso é enxergar o mundo como bruxo, numa realidade não-ordinária. "Parar o mundo" é viver num espaço temporal mágico, enquanto que viver na realidade do consenso é viver num espaço temporal ordinário.
VEJA - Um bruxo é um pragmático, e o senhor mesmo se rotula assim. Qual seria a aplicação prática de "fazer", "não fazer" e "parar o mundo"? CASTANEDA - Você fuma desbragadamente, como um desesperado. Eu fumava como você, e cheguei a fumar quatro maços de cigarros por dia, até que Don Juan sugeriu que eu usasse a minha compulsão para parar de fumar. Eu deveria ficar envolvido no "não fazer" de fumar. Para isso eu teria que observar o fazer de fumar. Comecei então a observar o "fazer" de levantar pela manhã e procurar imediatamente meus cigarros, o "fazer" de colocá-los no bolso, o "fazer" de apalpar o bolso da minha camisa com minha mão esquerda para ter certeza de que os cigarros lá estavam. O lugar do cigarro, o fumar de dois deles no caminho da universidade, e assim por diante, constituíam o meu "fazer" de fumar. Como eu, você pode observar o que constitui o seu "fazer" de fumar. Uma medida sistemática de fazer leva a pessoa a não executar os detalhes do ato de fumar. Para "parar o mundo" de fumar a pessoa tem que aprender a compulsivamente dizer não para o "fazer" de fumar. 1 Este exemplo é grosseiramente uma aplicação dos ensinamentos, pois eu parei de fumar logo nos primeiros contatos com Don Juan, mas somente consegui "parar o mundo" da realidade ordinária depois de dez anos. A partir deste ponto Don Juan deixou de usar plantas alucinógenas como parte dos ensinamentos.
Guias para se acabar com o bom senso
VEJA - O senhor não fuma, não bebe e evita até café. Como então vê o uso de drogas como parte dos ensinamentos de Don Juan? CASTANEDA - Don Juan usou psicotrópicos e plantas alucinógenas como um auxílio aos ensinamentos. Uma vez atingido o objetivo, estes veículos se tornaram desnecessários. As drogas são maléficas para o corpo, e não tem nenhum defeito além de uma certa qualidade que o bruxo necessita. VEJA - De que modo as drogas serviam de instrumento auxiliar aos ensinamentos de Don Juan? CASTANEDA - O mundo como nós o vemos é apenas uma descrição, e cada item da descrição é uma unidade, o que eu chamo de "gloss" (aparência externa") Uma árvore é um gloss, um quarto ou uma sala são glosses. Nós colocamos significado ao gloss-quarto como sento a reunião de pequenos glosses - cama, cadeira, camiseira, armário. A realidade do consenso é formada por uma corrente infinita de glosses, os quais, por sua vez são formados e interligados por pequenos glosses. Esta corrente forma, na nossa realidade, um sentido comum, isto é, esta corrente de glosses tem que fluir em uma direção pré-concebida que nós chamamos com senso ou sentido comum. Para quebrar ou interromper a corrente, o bruxo usa drogas que criam um espaço vazio na corrente, implantando uma nova direção, a direção do sentido comum ou do bom senso da realidade não ordinária (realidade da bruxaria). Sentido comum e bom senso estão diretamente ligados ao nosso corpo. Com o uso de drogas, há uma interrupção no bom senso e abertura de uma nova direção, e essa nova direção só pode ser encontrada com um guia (bruxo), pois de outra forma o uso de tais drogas é sem valor. O homem geralmente tem a idéia de gozar a vida através dos vícios. Um viciado é uma criança profissional. Interromper a corrente de glosses, parar o mundo, com o uso de drogas só pelo prazer de interromper, só pode causar dano, além de ser uma brincadeira cujo preço é caro. Uma vez que o corpo aprendeu a interromper a corrente, não há mais necessidade de auxílio para tal interrupção. A pessoa interrompe pela própria vontade.
U ma estranha psicoterapia: sentir-se morto
VEJA - Acha que o processo de interrupção voluntária da corrente do "bom senso" seria eficaz se aplicado à psicoterapia? CASTANEDA - O sucesso de Don Juan como psicoterapeuta é impressionante. Ele me fez cônscio de que era uma criança profissional, que eu estava colocando muito peso sobre mim mesmo, enfatizando minha importância de pessoal, e não transformando em ações minhas fantasias. Ele me ensinou a viver para o agora, a encarar a minha morte como um fato inevitável e existente em minha vida. O conceito de morte deve ser encarado como uma realidade. Don Juan me ensinou que, se eu me considerasse como morto, nenhuma das minhas ações teria importância pessoal, e com isso eu poderia mudar, ou mudanças poderiam ser feitas e tarefas serem cumpridas. O fato inevitável de morte é muito mórbido para o homem ocidental, e em conseqüência o Ocidente procura interação social com o objetivo de ajustamento ao "bom senso".
VEJA - Seria correto dizer que a pessoa, em nossa realidade rotulada de psicótica, para Don Juan seria apenas a pessoa que acidentalmente interrompeu a corrente do "bom senso" e não conseguiu fazer esta corrente? CASTANEDA - Correto. O bruxo quebra a corrente do bom senso por vontade própria. não é uma coisa acidental. Nas primeiras experiências tenho quase certeza que sem um guia teria perdido o contato com a realidade do consenso; em outras palavras, eu não seria capaz de encontrar o caminho de volta a essa realidade. O guia orienta o aprendiz a sair da realidade do consenso e a entrar na estranha realidade da bruxaria, bem como sair daquela estranha realidade e voltar a realidade do consenso. Este exercício é repetido até que o aprendiz adquira o domínio da sua própria vontade. Para o psicótico, o exercício sobre a direção de um psicólogo clínico ou de um psiquiatra resume-se a retornar à realidade do consenso, e a permanecer conformado. O bruxo, além de guia, é o modelo de "homem do conhecimento". Para Don Juan, qualquer mudança somente é possível se a pessoa praticar seus próprio ensinamentos. Novamente a filosofia "eu faço o que eu digo" prevalece.
VEJA - "Porta para o Infinito" menciona o uso de sonhos como um exercício no domínio e controle da própria vontade. Seria este controle da mesma natureza do domínio da própria vontade ao que o senhor acaba de se referir? CASTANEDA - Eu menciono neste livro os diversos exercícios para controle dos sonhos, ou seja, para que a pessoa possa colocar os sonhos a seu serviço e sonhar produtivamente. Este sonhos requerem o mesmo domínio da vontade que é necessário para sair e voltar à realidade ordinária. Sonhos para um bruxo não são simbólicos, mas frutos do controle que adquire através dos ensinamentos. Ele dorme sonhando sonhos produtivos, como que uma continuação do dia a dia, ao invés de sonhar sonhos ordinários comuns, e sem controle. Aos poucos, uma pessoa consegue se disciplinar, a ponto de, sonhando, ser capaz de ver a sua própria imagem dormindo a sonhar. O caso extremo deste controle pode ser exemplificado pelo que Don Genaro afirma ser capaz - materialização de uma duplicada da sua própria pessoa. Com o controle dos sonhos a pessoa pode aumentar a sua capacidade de ação. Todas essas realidades não exploráveis da realidade do consenso formam um todo - o "homem de conhecimento".
VEJA - O senhor acha que nós exploramos e usamos apenas parcialmente o nosso potencial por razões inerentes à nossa educação formal? CASTANEDA - A educação formal e informal do homem ocidental não dá margem a nada estranho ou diferente do consenso social. O que é fora da norma do nosso bom senso é considerado anormalidade. Também falta ênfase na noção de responsabilidade para consigo mesmo: não falamos suficientemente da responsabilidade para as nossas crianças,e por esta razão poucos deixam de ser crianças, e vivem a vida como crianças-profissionais. Explicando melhor: a criança profissional é a pessoa que precisa de carinho e é recompensada por meio de atenção dispensada a sua pessoa. Ela é auto.importante, um eterno infant terible. Queria deixar de uma vez por todas de ser criança, mas eu era muito querido por mim mesmo, e sempre tinha uma desculpa para que continuasse alimentando minha auto-importância. Não fazia nada, não produzia nada, ações eram abafadas pelos meus planos e decisões, e pelo meu senso de importância pessoal. Até que aprendi com Don Juan a deixar de ser criança profissional e me tornei guerreiro-pirata.. Ficar sentado, esperando que me dessem tudo ou sonhando acordado com a glória da minha auto-importância, não me trouxe nada. Eu tive que ir procurar coragem e disciplina.
De criança profissional a guerreiro-pirata
VEJA - O senhor vive como um bruxo, isto é, uma vida de anonimato, enquanto o seu trabalho é público e de muito sucesso. Qual é a satisfação pessoal que resulta deste aparente antagonismo entre autor e pessoa?
CASTANEDA - Minha satisfação vem de escrever impecavelmente e de apresentar minha pessoa à luz da verdade. Eu realmente não vejo antagonismo, pois minha vida pessoal é um reflexo da minha obra. Novamente afirmo que faço aquilo que digo, pratico aquilo que prego. E uma vez que sou honesto comigo mesmo, não me importa o que e como a galeria pensa ou reage. Desta forma, sou livre dos altos e baixos. Veja o exemplo de Tinothy Leary, o guru do ácido lisérgico. Ele é um exemplo típico de excesso de auto-importância. Lá pelas tantas o peso se tornou demasiado e ele teve que pagar o preço extremo. Muitos são os escritores que pregam mas não seguem a própria pregação, muitas são as pessoas que promovem um corpo forte e uma mente sadia, mas acabam destruindo gradativamente o próprio corpo e mente. Don Juan era o modelo que fazia e praticava tudo aquilo que era colocado como tarefa para mim, durante todos os anos da aprendizagem.
VEJA - O senhor mencionou o modelo de Don Juan, mas foi também exposto a um outro modelo: o consenso social. Como alia esses modelos em sua vida? CASTANEDA - O modelo de Don Juan me deu os parâmetros de uma realidade diferente da do consenso social. Outro modelo me conduzia ao eterno enfant terrible. Ao longo dos ensinamentos, abandonei este último. Um modelo me conduzia à criança profissional, e outro ao verdadeiro guerreiro-pirata. Quando a pessoa tira o senso de auto-importância o senso de auto-importância do seu caminho e toma a consciência de que o homem que puxa a corda e trama os pauzinhos é tão humano quanto eu ou você, ela pode atingir aquilo que quiser. A pessoa pode ser ultra-inteligente e cheia de recursos, mas se somente espera que as coias lhe venham às mãos, quando não é atendida pelo mundo cai num estado de ódio, remorso e medo. O guerreiro-pirata não tem medo, ele não espera que as coisas venham até ele. Ele age, cumpre suas tarefas, e ao mesmo tempo não se preocupa com as conseqüências.
Notas
1 Em uma entrevista mais recente, concedida a Carmina Fort, Castaneda relata que Don Juan, para fazê-lo parar de fumar, certa vez levou ao deserto, avisando que iam passar lá vários dias. Castaneda fez um estoque de cigarros, com várias caixas embrulhadas. Enquanto dormiam, os cigarros sumiram. Castaneda, desesperado, procurava uma explicação. Don Juan disse que talvez tivesse sido os coiotes. Rondaram as habitações próximas mas não acharam nada para Castaneda fumar. Esse acontecimento foi decisivo para ele largar o mau-hábito (nota do redator)
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