Tropicália, 40
Movimento que mudou a cultura brasileira faz anos; Rio ganha exposição com 250 objetos
GUILHERME BRYAN COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Em outubro de 2007, não faltarão motivos para comemorar as quatro décadas de um dos mais importantes movimentos culturais brasileiros, a tropicália. Afinal, além de revelar diversos artistas, o tropicalismo provou como é ótimo misturar, sem preconceitos, os mais diferentes estilos musicais para criar algo original e marcante.Nos dias 6 e 13 de outubro de 1967, os até então pouco conhecidos compositores Gilberto Gil e Caetano Veloso pisaram no palco do 3º Festival de Música Popular Brasileira da TV Record para apresentar, respectivamente, "Domingo no Parque" e "Alegria, Alegria".Apesar de terem ficado em segundo e quarto lugares -a vencedora foi "Ponteio", de Edu Lobo e Capinam-, essas canções chocaram a sociedade ao apresentar elementos de um movimento que revolucionaria a música e a cultura brasileiras. "O aparecimento dessas músicas, com arranjos específicos, introduzindo o aparato eletrônico e a novidade da relação entre letra e música inaugura o tropicalismo", diz Celso Favaretto, autor do livro "Tropicália Alegoria Alegria".Acompanhados pelos grupos de rock Beat Boys e Mutantes, Caetano e Gil uniram de maneira criativa elementos tradicionais, muitos deles considerados cafonas, com guitarras elétricas e o que havia de mais moderno nas vanguardas européias e norte-americanas.
Bem ao gosto antropofágico do escritor modernista Oswald de Andrade, a idéia era misturar o máximo possível de elementos diferentes para criar algo que o próprio Gil designou como "geléia geral brasileira"."A tropicália pretendia implantar uma maneira mais democrática e contemporânea de encarar a rica diversidade da música e da cultura brasileira, inserindo-a no cenário internacional. Hoje pode parecer meio absurdo, mas alguns artistas e intelectuais rejeitavam qualquer influência da música pop ou do rock sobre a música brasileira, por encará-los como produtos da política imperialista norte-americana", conta Carlos Calado, autor dos livros "A Divina Comédia dos Mutantes" e "Tropicália - A História de Uma Revolução Musical".Tanta ousadia e inovação chocaram boa parte da intelectualidade da época, afirma Favaretto: "É como se eles estivessem atentando contra a pureza da música brasileira e era exatamente isso o que queriam: abaixo à pureza. Não há pureza que resista às necessidades da contemporaneidade".
Para se ter uma idéia de como a elite cultural brasileira rejeitava a cultura norte-americana, em 17 de julho de 1967 foi realizada em São Paulo uma passeata contra as guitarras, reunindo artistas como Edu Lobo e Elis Regina. "Os tropicalistas odiavam o "populismo musical" que estava em evidência com Geraldo Vandré", lembra o jornalista Nelson Motta.Em 1968, seria lançado o álbum "Tropicália ou Panis et Circensis", que escancarou as propostas estéticas tropicalistas. O disco reuniu o maestro Rogério Duprat, Nara Leão, Gal Costa, Caetano, Gil, o poeta Torquato Neto, Capinam, Tom Zé e os Mutantes.Bananeiras Os tropicalistas estavam em sintonia com outros artistas brasileiros, caso do cineasta Glauber Rocha -que, em 1967, filmou "Terra em Transe"- e do diretor de teatro José Celso Martinez Corrêa, que dirigiu a mais chocante e provocadora montagem da peça "O Rei da Vela", de Oswald de Andrade.
O nome "tropicália" foi uma sugestão do produtor de cinema Luiz Carlos Barreto, inspirado pela instalação do artista plástico Hélio Oiticica, que misturava bananeiras com aparelhos de televisão.A tropicália terminou pouco mais de um ano após o seu aparecimento, em dezembro de 1968, quando Caetano Veloso e Gilberto Gil foram presos pelo governo militar e exilados na Inglaterra.A principal razão alegada foi a de que Caetano teria inserido versos ofensivos aos militares durante a temporada realizada com Gil e Mutantes na boate Sucata, onde ainda foi pendurada uma obra de Hélio Oiticica -uma bandeira com a inscrição "Seja marginal, seja herói"."A atitude crítica defendida pelos tropicalistas permanece até hoje como lição essencial para qualquer artista. Praticamente tudo que se fez na música brasileira a partir de então foi beneficiado pela lição de liberdade estética deixada pelos tropicalistas. Graças à tropicália, a música brasileira abandonou preconceitos musicais e a xenofobia", finaliza Calado.
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Em 1967, o artista plástico Hélio Oiticica apresentava pela primeira vez, no Museu de Arte Moderna (MAM) do Rio de Janeiro, sua instalação "Tropicália", que batizaria um dos mais importantes movimentos da história da música brasileira.Quarenta anos depois, na terça-feira, 7 de agosto, o mesmo museu apresenta a exposição "Tropicália: Uma Revolução na Cultura Brasileira", que já esteve em Chicago, Nova York, Londres e Berlim.Com curadoria do argentino Carlos Basualdo, do Museu de Arte Contemporânea da Filadélfia, a exposição reúne mais de 250 objetos, divididos em áreas como teatro, artes visuais, arquitetura e informações gerais dos fatos que marcaram o Brasil entre 1967 e 1972.Entre os destaques, a instalação "Roda dos Prazeres", de Lygia Pape, desenhos da arquiteta Lina Bo Bardi e trabalhos de poetas concretos como Augusto de Campos (as fotos desta página fazem parte da exposição).Para acompanhar, a editora Cosacnaify lança a versão em português do livro-catálogo coordenado por Basualdo, que reúne reflexões de pesquisadores e alguns textos históricos, caso de "Manifesto Antropofágico", de Oswald de Andrade. (GB)
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Não foi à toa que a turma da tropicália se tornou ícone fashion de seu tempo e influencia o povo da moda até hoje.Caetano e sua turma esbanjaram atitude ao misturar peças inspiradas nos parangolés de Hélio Oiticica, na psicodelia das estampas de Emilio Pucci, nas batas indianas e nos elementos da cultura hippie."A moda também foi tropicalizada. Basta olhar a capa do disco "Tropicália" para constatar que aquelas roupas e acessórios ainda estão nas ruas", diz Amnon Armoni, coordenador dos cursos de pós-graduação em moda da Faap. "Há tempos a moda vive de leituras de décadas passadas. Os tropicalistas trouxeram algo que sempre vai inspirar os designers".É o caso da estilista Carol Martins, da grife Madalena. A principal marca de suas coleções são as flores gigantes que estampam tecidos leves e confortáveis, bem semelhantes aos kaftans usados por Gilberto Gil ou às capas de Rita Lee."Eu vivi o tropicalismo! Morei numa comunidade alternativa, ouvi muito esses discos", diz Carol. "O que acho mais bacana é que eles não se prendiam à moda hippie. Como na música, faziam no jeito de se vestir uma geléia geral", completa. A carioca Helô Rocha, da grife Têca, foi outra que acreditou na tropicália para criar sua coleção verão-2008.Nem a alta costura escapou do movimento. As famosas coleções da Rhodia das décadas de 60 e 70 já traziam os coloridos e os florais com perfume tropicalista. O acervo permanente do Masp tem 82 vestidos dessa época, dos quais 15 foram emprestados para a exposição no Rio. (DOLORES OROSCO)